terça-feira, 13 de agosto de 2019

Os Contos da Cantuária



A importante obra “Os contos da Cantuária” ou em inglês “The Canterbury Tales”, foi escrita por Geoffrey Chaucer, que se tornou importante legado  literário medieval na história da Inglaterra antes mesmo de William Shakespeare. Nascido por volta do ano de 1343, Chaucer escreve a obra em Inglês Médio. E nela são narrados contos, alguns em verso outros em prosa, e são descritos por peregrinos por assim dizer, de um grupo que está caminhando de Southwark até a catedral de Cantuária para visitar o túmulo de São Thomas Beckett. O que chama atenção é que entre esses peregrinos, estão reunidas pessoas provindas de todas as camadas sociais, dos mais abastados aos mais pobres, dos mais letrados aos mais ignorantes, e com isso podemos perceber representantes de toda a sociedade inglesa dos dias do autor. Os contos contêm situações curiosas, algumas contêm citações clássicas, como é o caso do conto ao qual iremos nos ater: o conto do cavaleiro.
O conto do cavaleiro aqui será analisado dentro do eixo temático Cultura e Literatura baseando – nos na leitura de Ernst Curtius no texto “Literatura Europeia e Idade Média Latina” que servirá como norteador para entendermos o pensamento cultural que permeava a literatura medieval, qual sua origem e o porquê da literatura ser estudada em ambientes escolares e acadêmicos desde aquela época.
O texto de Chaucer conta a história de dois homens chamados Arcita e Palamon e suas desventuras e batalhas pelo amor de Emília. No princípio, o conto narra que Teseu, soberano duque de Atenas, conquistava muitas terras em sua época, conta que conquistou a terra das amazonas, na qual sua soberana seria sua futura esposa, Hipólita, irmã de Emília, aqui a dama venerada, objeto do amor impossível de dois cavaleiros. 
A narrativa nos mostra que Teseu retornava de uma batalha, feliz e tranquilo por ter vencido, quando se depara com senhoras viúvas que se ajoelharam perante ele a pedir-lhe justiça pelos cadáveres de seus maridos que foram derrotados em Tebas por Creonte, que tomou o trono da cidade e não lhes permitiu que seus maridos recebessem as honras fúnebres. A cena das viúvas o comoveu de tal forma que ele imediatamente se dirigiu a Tebas para fazer justiça àquelas que se humilharam diante dele.
Enquanto separavam os corpos, encontraram dois jovens que ainda estavam vivos, Arcita e Palamon, e descobriu-se que possuíam sangue real, então Teseu mandou-os a Atenas a serem presos eternamente. Um dia, a bela Emília, como é descrita no conto, sai para caminhar e Palamon, que tinha permissão de olhar pelas grades da torre, vê Emília, e começa então a lamentar-se; a chorar a sua sorte e a maldizer sua vida. Então ele conta a seu primo Arcita sua desventura e ele curioso para ver qual a razão desse lamento e tristeza também a vê e  se apaixona imediatamente por Emília. Os dois começam então uma disputa por seu amor até o final do conto. Arcita consegue exílio em sua terra e é posto em liberdade, mas com a condição de que jamais poderia voltar a Atenas, sob a pena de morte caso o fizesse. E ele parte para Tebas, mas a dor de estar longe de sua amada é tão penosa para ele, que decide voltar disfarçado para Atenas, já que estava irreconhecível pelo sofrimento por que passara. Já Palamon permanecia preso a lamentar a sua sorte. Arcita voltou a Atenas e conseguiu um bom trabalho na corte, isso porque até então ninguém o reconhecera. Dados esses fatos, chega o dia que Palamon se encoraja e decide fugir de sua prisão eterna, era tudo ou nada, pelo amor de Emília, quando acaba reconhecendo Arcita e vê que ele estava próximo à sua amada. Então os dois se aproximam e marcam um duelo, quem sobrevivesse seria digno de desposá-la. No dia do desafio enquanto estavam já ambos muito feridos, foram descobertos por Teseu, que acompanhado de Hipólita, ficou muito surpreso ao reconhecer ali seus dois prisioneiros. Mas percebendo que o duelo era por questões amorosas, demonstrou – se misericordioso. Decidiu então postergar e marcar um outro duelo entre os rivais, assim o destino decidiria quem deveria de ficar com Emília. Ambos rezaram para seus deuses, e o conto narra que houve certa briga entre os deuses por qual deveria de ser o vencedor, mas afinal Arcita morre e Palamon e Emília se casam.



O que se pode notar a partir da leitura desse texto, analisando a narrativa de Geoffrey Chaucer a partir do contexto histórico em que vivia a Inglaterra, é que sua literatura foi importante para a consolidação da língua inglesa na corte da Inglaterra, já que nesse momento, falava-se também o francês, e os contos da Cantuária foram escritos em inglês. Isso trouxe uma identidade cultural e linguística muito mais forte aos ingleses.
“Essa longa associação com a realeza, além de estimular a atividade literária de Chaucer, – tanto assim que todas as suas obras foram obras de ocasião, destinadas à leitura perante a corte, – dava-lhe a oportunidade de aprofundar os seus contactos com os grandes centros culturais e artísticos do continente europeu. (Paulo Vizioli – Apresentação dos Contos da Canturária – p. 5)”.
Essa citação nos mostra já na apresentação que Chaucer esteve na presença de importantes pessoas, o que lhe possibilitou uma formação cultural mais ampla. Sabe-se que na Inglaterra, a consolidação da literatura foi um pouco demorada. Havia certo desprezo ao latim bíblico em outros países como a Espanha, porém em terras de origem bárbara que só aprenderam o latim devido à Igreja, houve uma preocupação com a cultura latina que veio do eixo Irlanda- Escócia e logo chegou à Inglaterra, como nos afirma o texto de Ernst Curtius : 
“Esse desdém pela linguagem bíblica, que ainda encontramos na Espanha  romano -  visigótica, não tinha razão de ser nas terras ‘bárbaras’, que nunca haviam pertencido ao Imperium e que só aprenderam o latim por intermédio da Igreja. Foi o caso da Irlanda e da cultura e da cultura irlando – escocesa que irradiou para a Inglaterra. E vale também para a cultura anglo – saxônica que Aldhelm representava. O precursor dessa cultura foi Aldhelm, que logo caiu no esquecimento. Seu realizador foi Beda -  o Venerável(672 – 735), que na qualidade de monge da Nortúmbria, consagrou toda a sua vida à ciência, conquistando glória duradoura com sua história da Igreja anglo-saxã.” (CURTIUS, 1996 p. 83).
Esse panorama histórico precursor do período de Chaucer nos ajuda a entender o que antecedeu como forma de Educação e Cultura e como todo o processo educacional e literário se desenvolveu até seus dias para assim definir a sua importância para a Inglaterra e o que significou para o homem medieval inglês os contos de Chaucer, especificamente o Conto do Cavaleiro, ao qual iremos analisar com bastante atenção posteriormente.
Antes de tudo vamos entender a importância da literatura na cultura medieval e de onde ela se originou, segundo Curtius: 
“A literatura faz parte da ‘educação’. Por quê, e desde quando? Porque os gregos encontraram num poeta o reflexo ideal de seu passado, de sua existência, do mundo e dos deuses. Não possuíam livros sacros nem castas sacerdotais. Sua tradição era Homero. Já no século VI era um clássico. Desde então a literatura é disciplina escolar, e a continuidade da literatura europeia está ligada à escola. A educação é portadora da tradição literária: estado de coisas que pertence à característica europeia, mas à qual não está essencialmente condicionado.” (CURTIUS, 1996, p. 71).



Assim conseguimos perceber que a literatura é inerente ao processo educacional, pois a literatura traduz uma expressão artística com palavras e, em todo o tempo em que ocorrem manifestações artísticas, seja por meio da literatura, seja por meio da música, esculturas, pinturas ou qualquer outro tipo, elas consequentemente refletem o seu período histórico, como será demonstrado adiante por meio de breve análise literária do conto selecionado.
Entendamos as características do conto do cavaleiro: ele é um romance de cavalaria ou novela de cavalaria, ou seja, é um tipo de narrativa típica em prosa da Idade Média. As grandes características que podemos observar nesse tipo de narrativa é que conta atos grandiosos e heroicos de cavaleiros medievais:
“O dia de seu regresso se aproxima, no qual, como já disse, cada um deveria, com um grupo de cem cavaleiros a seu lado, disputar o torneio. Dirigem-se, pois, para Atenas, fiéis ao compromisso, trazendo cada qual sua centena de homens, armados a rigor. Muitos não vacilavam em dizer que, desde que o mundo é mundo, jamais, pelos mares e terras de Deus, se vira companhia tão seleta no que concerne aos feitos e à cavalaria. Afinal, todos os que amavam o ideal cavalheiresco e aspiravam conquistar nome glorioso haviam solicitado inclusão naquele prélio.” (CHAUSER, O conto do cavaleiro, p. 34).
Observa-se também que devido ao grande número de personagens envolvidos, os acontecimentos são mais importantes que os personagens em si. No conto, notamos que há um enorme número de deuses citados durante todos as páginas, como Vênus, Diana, Marte, entre outros deuses greco – romanos, ou seja, a concepção dos deuses clássicos ainda é bem impressa na mente do narrador medieval. O breve romance (por isso chamado de novela) também foi dividido em quatro capítulos, e cada uma dessas partes complementa a outra de forma a deixar o ouvinte ou leitor interessado no que viria a seguir. Apresenta também alguns conceitos morais ou códigos de conduta dos cavaleiros ou da sociedade medieval:
“Palamon fechou o sobrecenho: ‘Nada honroso te seria mostrar-te falso e desleal comigo, que sou teu primo e teu irmão de sangue. Lembra-te do solene juramento que nós dois fizemos, comprometendo-nos, mesmo sob tortura, e até que a morte nos separasse, a não prejudicar- nos mutuamente, nem no amor nem em coisa alguma. Prometeste caro irmão, tudo fazer para ajudar-me em tudo, assim como em tudo eu também vou te ajudar.” (CHAUCER, O conto do cavaleiro, p. 26).
Ainda podemos analisar que o romance de cavalaria trata de um amor impossível por uma dama inalcançável, que mesmo tendo em parte um final feliz, também teve o desfecho trágico com a morte do bravo cavaleiro Arcita.
Portanto, é possível perceber que o romance de cavalaria aqui exposto nos Cantos da Cantuária, mais precisamente no Conto do Cavaleiro, que esse tipo de narrativa remete bastante ao período histórico do autor Geoffrey Chaucer, a Idade Média, não se pode precisar que ele mesmo tenha sido o autor intelectual do conto, ou se apenas transcreveu algo popular que era contado em sua época, mas certamente possui todas as características que enaltecem os valores do homem medieval, sobretudo o cavaleiro, e seus feitos heroicos perante o restante dos homens a lutar pelo amor impossível de uma dama. Independentemente de qualquer fato, é imprescindível dizer que a obra de Chaucer foi um grande apoio para que a língua inglesa se estabelecesse de vez, daí a importância dos Cantos da Cantuária enquanto firmadora da identidade literária e linguística na Inglaterra.






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