segunda-feira, 29 de julho de 2019

A Família Monárquica Brasileira ( Versão original)

A Família Monárquica Brasileira
Fabio Cardoso Pinto¹

Resumo: O artigo propõe analisar os personagens da Monarquia brasileira e acontecimentos importantes do século XIX através da foto de Otto Hess, última tirada antes do exílio em decorrência da proclamação da República, a pesquisa se decorre da posse de Dom Pedro II, onde o império se pacificou, seguindo nos anos 1850 nos quais ocorreu a alta do café nos mercados financeiros internacionais e a proibição do tráfico negreiro, gerando renda e uma série de benefícios na infraestrutura e parte social, contrastando com essa evolução, a escravidão  em todos os lados. A análise segue com o projeto de Dom Pedro II para uma identidade cultural, a Guerra do Paraguai e a abolição da escravatura. Depois do golpe militar de 1889, que o povo não teve voz, o país entrou numa crise econômica, democrática e cultural que perdurou por décadas.

Palavras Chave: Dom Pedro II; monarquia; império; escravidão desconstrução.

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¹ Professor licenciado em História pela Faculdade Sumaré.

Fonte: Última foto da Família Imperial no Brasil antes do exílio

Introdução


Na história da fotografia brasileira do XIX, Otto Hees tem seu nome ligado ao de seu pai, o também fotógrafo Pedro Hees. Uma única fotografia foi responsável por dar fama ao fotógrafo. Justamente em Petrópolis, onde toda a família imperial passava suas férias de verão e fins de semana, Hess produz a última imagem dos monarcas e seus descendentes antes que fossem exilados, em decorrência da Proclamação da República, em fins de 1889.
À primeira vista o retrato passa a impressão de uma família coesa e unida. Os avós ao lado dos netos, filha e genro, mas na realidade, a situação não era exatamente assim, havia muitas coisas nas entrelinhas, como diz a historiadora Mary Del Priore em seu livro “O Príncipe maldito, traição e loucura na família imperial”:
“A herança do avô — o poder, não o dinheiro, essa coisa suja de burguês — ocasionava os mais graves e disfarçados conflitos. O inimigo não estava, portanto, fora, mas dentro dos portões. Lutas fratricidas, nas quais cada um calculava as chances do outro, resultavam em discretas lavagens de roupa suja. A autocensura tornava esses embates ainda mais cínicos, feitos de murmurações e sussurros. O medo do escândalo, da humilhação, dos comentários, amarrava avós, tios e sobrinho num pacto de silêncio e ódio. A regra era nada expor e evitar a intervenção de terceiros. Na Corte, não havia alma piedosa dedicada a reconstituir os fios rompidos. As muitas fotos do príncipe com os primos e o restante da família deviam atestar para a sociedade a serenidade do clã." ( PRIORE, 2007, p.83).
Sendo assim, havia muita tensão entre os membros da família imperial que se digladiavam nos bastidores pela herança do trono do Brasil, nos quais os pretendentes ao cargo julgavam suas pretensões legais aos demais membros.
O poder no Brasil era cobiçado em parte porque no século XIX, diferente dos dias atuais nos quais o país não tem uma imagem tão positiva internacionalmente, nossa terra era considerada um país vanguardista no continente americano, uma jovem nação, com um imenso território. O Brasil foi o segundo país do mundo a adotar o selo postal; o segundo país do mundo a instalar linhas telefônicas, o Rio de Janeiro foi a terceira cidade do mundo a ser dotada de redes de esgoto, construiu o primeiro cabo submarino ligando a América Latina à Europa, tinha umas das maiores malhas ferroviárias do planeta. Na parte bélica, a marinha brasileira era umas das quatro melhores do mundo, além da estabilidade financeira e pacificação obtida em todo território depois do conturbado período regencial. Essas conquistas foram possíveis mediantes os lucros da indústria cafeeira e concretizadas devido à participação decisiva de Dom Pedro II, um intelectual, admirado por notáveis como Victor Hugo, Nietzsche, Richard Wagner e Charles Darwin. Na foto de Otto Hess vemos o imperador em sua pose característica, com a mão direita no jaquetão lembrando Napoleão, é notável o desgaste físico e vulnerabilidade do já velho monarca, mas o que impressiona é o olhar distante, refletindo o que também estava ocorrendo politicamente no momento em que a foto foi imortalizada, os republicanos planejando o golpe e o mesmo alheio a tudo que está acontecendo.


O Mecenas da Artes, desenvolvimento e identidade nacional

Pedro desde pequeno já tinha seu destino traçado e foi moldado para a função que exerceu quando maduro, sendo uma criança em um mundo de adultos, sem amigos da sua idade e com uma severa rotina de estudos dos mais diversos temas. Como perdeu a mãe ainda bebê, e o pai retornou ao país de origem quando tinha 5 anos para reclamar o trono de Portugal para sua irmã mais velha, Maria, o jovem imperador teve como tutor ninguém menos que José Bonifácio, conhecido como "Arquiteto da Independência", Bonifácio solidificou ainda mais a formação do monarca. Subiu ao trono aos 14 anos de idade num momento de revoltas, e, auxiliado pelos melhores homens da época, principalmente políticos conservadores, e isso foi fundamental na pacificação do país, ajudando a assegurar a unidade territorial nacional enquanto a América Espanhola fragmentava-se.
O império do Brasil passou a ser reconhecido como um exemplo de civilidade, em meio a toda confusão na América Latina, assolada em guerras por independência e caudilhismo, Lilian Moritz Schwarcz afirma em seu livro "Barbas do imperador: D. Pedro II, um monarca nos trópicos":
"Em “solo virgem [...] a transplantada árvore dos Bragança florescia e fazia civilização”. Passadas as revoltas das Regências o país era entendido como um oásis em meio à confusa situação latino-americana, e um monarca de linhagem e estilo europeus parecia garantir a paz e, por extensão, a civilização." (SCHWARZ,1998,p.177)
Em 1943, o monarca casou - se com a princesa das Duas Sicílias, Teresa Cristina Maria, a cerimônia de casamento foi realizada por procuração, na cidade de Nápoles, na última foto da família imperial no Brasil ela aparece sentada do lado esquerdo, abaixo dos outros membros da família assim como acontecia em sua vida social, sempre com um papel secundário e se dedicando somente as tarefas de esposa sem ter peso político algum. O primeiro filho, Dom Afonso, nasceu em 1845, mas faleceu no ano seguinte em consequência de febre amarela. Em 1846 nasce a princesa Isabel e em 1847 nasce a princesa Leopoldina. O segundo filho varão, Pedro Afonso morreu em 1850, também com 1 ano de idade, na fazenda Santa Cruz de propriedade da família imperial. Sendo assim, a herdeira legítima do trono se tornou sua filha mais velha, a princesa Dona Isabel.
No ano de 1850 estava no poder um ministério extremamente conservador, assim como a câmara que tinha 1 deputado liberal para 110 conservadores. O ministério terá de legislar sobre questões fundamentais como o problema da estrutura agrária, o incentivo à imigração e a difícil questão do tráfico escravagista.
O tráfico de escravos passa a sofrer enorme pressão da Inglaterra, que na conjuntura diplomática de então se sentia lesada com tal comércio. No contexto internacional, os ingleses progressivamente estabeleciam distinções entre os países em que a escravidão era autorizada e aqueles que mantinham o tráfico, mesmo proibido. A manutenção desse negócio colocava o Brasil dentro de um grupo de “nações bárbaras”, imagem oposta a que Dom Pedro II pregava. Entretanto, implantar tais determinações era uma tarefa muito difícil num país totalmente dependente da mão-de-obra escrava.
As leis do império não podiam ser compreendidas de forma isolada, a Lei de Terras, a Lei Eusébio de Queiróz e a reforma da Guarda Nacional eram medidas vinculadas. A Lei de Terras de 1850 tinha como objetivo organizar o Brasil para o fim do trabalho escravo, enquanto a centralização da Guarda Nacional visava a fortalecer a posição do Estado perante os proprietários das fazendas, infelizes com a regulamentação de terras e o final do tráfico negreiro. Também é publicado no mesmo ano o Código Comercial que tinha como finalidade legislar sobre os novos negócios que nasciam com a liberação de capital empregado no negócio escravagista.
O final do tráfico negreiro trouxe muitas mudanças positivas para o Império do Brasil, pois como era uma atividade generalizada, a sua extinção gerou de forma repentina uma grande massa de recursos, que foram investidos na infraestrutura, principalmente nas ferrovias, a “era das estradas de ferro”, como ficou conhecida, simbolizava o avanço do progresso da nação. No período de 1854 a 1858 foram construídas além das primeiras ferrovias, as primeiras linhas telegráficas, a iluminação a gás chega às cidades, as primeiras linhas de navegação e os estabelecimentos de instrução começaram a aumentar.
A extinção do tráfico também coincidiu com a alta do café nos mercados internacionais, tornando o negócio extremamente lucrativo, com as vendas subindo 23% entre 1850 e 1851. As relações entre o regime monárquico e a agricultura de exportação eram muito próximas, pois a mesma gerava 70% da renda do país, mas nem sempre estas relações eram harmoniosas devido a - em parte, pelo imperador ser simpático à causa da abolição da escravatura, uma calamidade para os fazendeiros cafeicultores escravocratas de então, fator esse que seria determinante anos mais tarde para queda da monarquia.
Como consequência da Lei de Terras e Lei Eusébio de Queiróz, começa a política de atração de imigrantes europeus, em que o Brasil, a princípio, não era uma opção atraente para os estrangeiros se comparado aos Estados Unidos que ofereciam facilidades na aquisição de terras e tinham seus escravos concentrados apenas na região sul do seu território. No entanto, com a entrada do governo brasileiro no financiamento da imigração europeia, o Império não só mudava sua imagem, como se “branqueava” com suíços e alemães. Afinal, apesar do fim da escravidão que começava a se desenhar, havia ideias confusas no meio científico no tocante à “miscigenação”, além da revolução haitiana, onde um país de maioria escrava, a população tomou o poder de forma sangrenta. Em 1849, na cidade do Rio de Janeiro, havia 110 mil escravos para 250 mil habitantes.
A década de 1850 tem como principal característica a estabilidade financeira, e o momento de paz vigente, proporcionando ao imperador Dom Pedro II, uma enorme popularidade que crescia à medida que visitava as províncias com seu ritual majéstico, simbolicamente tomando posse do território nacional e unificando a nação. A cidade do Rio de Janeiro passou por um período de intensas mudanças com a injeção do dinheiro do tráfico negreiro, com a construção de edificações e novos comércios destinados à Corte; a capital viveu uma remodelação urbana em que o modelo espelhado foi a Paris neoclássica e obteve melhorias como: rede de esgoto (1852), calçamento com paralelepípedos (1853), iluminação a gás (1854), bondes puxados à tração animal (1859), abastecimento domiciliar de água (1874).
Com as novas avenidas vieram novos hábitos consumistas, é nesse contexto que tem destaque a Rua do Ouvidor, onde se concentrava toda a burguesia do império, havia lojas de modistas franceses, joalheiros, floristas, charuteiros, cafeterias elegantes, alfaiates, cabelereiros, perfumarias, casas de banho, confeitarias (onde era servido um doce que era a novidade de então, o sorvete), restaurantes e livrarias. Essa rua pode ser considerada o símbolo de glamour que imitava os mais recentes bulevares europeus, onde se tornava o local para o jogo simbólico de pertencimento a Corte, que passava a funcionar como um polo centralizador onde se difundem hábitos, costumes e linguagem para todo o país, símbolo da boa sociedade. É nessa época que os grandes fazendeiros constroem os solares, residências monumentais, muitas vezes erguidas na cidade, onde residiam durante um período do ano, um exemplo dessas construções é o cenário de fundo da foto de Otto Hess, com linhas neoclássicas, uma varanda com uma escadaria, repleta de grandes janelas em forma de arco e muito verde em torno das colunas romanas, no alto um luxuoso lustre, a residência da Princesa Isabel em Petrópolis foi construída nesse período. Cria – se uma onda de festas, reuniões, concertos e bailes e então, a Corte se opõe às províncias e se coloca definitivamente no papel de informar a civilidade e os hábitos franceses e ingleses, referência de então, com estrangeirismo exagerado, gerando inclusive críticas de intelectuais da época. Na realidade, a Corte era uma ilha cercada completamente por um ambiente rural, onde se encontravam escravos por todos os lados, ainda diminuta, o comércio pequeno e ainda marcado pelas cores e costumes africanos.
O contraste entre as pretensões civilizadoras de Dom Pedro II e o alto número de escravos era flagrante, conforme citado anteriormente. De um lado a Rua do Ouvidor, do outro, uma cidade praticamente negra com costumes e cores africanos. Existia o “reino de Obá”, conhecido como “pequena África”, composto por africanos, onde residiam escravos, libertos ou homens negros nascidos livres. Lá proliferavam mandingas, ervanários, galinheiros e quitandas, essa região segundo o censo de 1849, atestava que de cada 3 habitantes 1 era africano, existiam 74 mil negros livres e escravos nessa parte da capital do Império. Um personagem peculiar do "reino de Obá" era o alferes Galvão, título honorário que recebeu devido ao seu destaque na Guerra do Paraguai, ou "rei Obá II", um negro nascido na Bahia, filho do rei Obá, um soberano que realmente reinava na África e foi vencido em uma guerra local, vendido como escravo acabou vindo viver no Brasil, onde, anos depois, comprou sua liberdade. O rei Obá II, pretendia à coroa de que foi destituído de seu direito de herança, e ambicionava ser o soberano de toda a África, depois da morte do pai, publicou um manifesto na imprensa nomeando-se rei, monarquista conservador, ele era amigo do imperador Dom Pedro II, o qual o recebia regularmente.
Não era apenas a escravidão que atrapalhava os projetos civilizadores do Império, afinal a Corte e outros centros urbanos estavam distantes e isolados. A população das capitais representava 8,49% de toda população do país em 1823, 10,41% em 1872 e 9,54% em 1980, dessas 50% se concentravam em apenas 3 cidades, Rio de Janeiro, Salvador e Recife. A moda europeia ainda era para poucos e a escravidão seria o calcanhar de Aquiles do Império até próximo do seu final.
A partir de então, Dom Pedro II começava a se preocupar em realizar um projeto que destacasse uma memória e reconhecesse uma marca cultural no país, era preciso criar uma identidade à nova nação florescendo nos trópicos. Lembremos que foi no século XIX que houve a consolidação dos países de capitalismo tardio, como a Itália e Alemanha, países que se consolidaram em virtude de um passado comum, vindo a gerar o nacionalismo. Sendo assim, é criado o Instituto Histórico Geográfico Brasileiro (IHGB), inspirado no Institut Histórique, fundado em Paris anos antes. O imperador foi um assíduo frequentador e incentivador da instituição, que a partir da década de 1840 abrigaria os românticos brasileiros. Lilian Schwarcz diz sobre a importância da instituição e sua relação com o jovem monarca:
"A partir dos anos 50 o IHGB se afirmaria como um centro de estudos bastante ativo, favorecendo a pesquisa literária, estimulando a vida intelectual e funcionando como um elo entre esta e os meios oficiais. Assim, com seus vinte anos, a suposta marionete se revelaria, aos poucos, um estadista cada vez mais popular e sobretudo uma espécie de mecenas das artes, em virtude da ambição de dar autonomia cultural ao país." (SCHWARCZ,1998)
O soberano se interessava tanto pelo instituto que de dezembro de 1849 até 7 de novembro de 1889 ele presidiu nada menos que 506 sessões, frequentando mais o IHGB que a própria câmara. Havia a necessidade de se criar uma historiografia para nossa nova nação, e não deixar que nenhum estrangeiro, não conhecedor das nossas crenças e costumes realizasse esta tarefa, a meta do instituto era estabelecer uma cronologia contínua e única, visando à fundação de nossa nacionalidade.
Dom Pedro II financiou poetas, músicos, cientistas e pintores em prol de seu projeto estético, cultural e político que fortaleceria a monarquia e o Estado e consequentemente a unificação nacional. Esse projeto viria por meio do romantismo que passaria a falar das "originalidades locais", tendo o indígena como centro e símbolo nacional. Um dos maiores escritores do romantismo brasileiro foi Gonçalves Dias, trazendo o indianismo na sua poética, dedicada à formação do Brasil, desde o seu descobrimento. O ápice do romantismo brasileiro ocorreu curiosamente na Itália, em 1870, como escreveu a respeito Lilian Moritz Schwarcz:
"Anos mais tarde, em 1870, estrearia, no Scala de Milão, a ópera composta por Antônio Carlos Gomes (1836-96) chamada O Guarani, cujo libreto foi inspirado no romance de mesmo nome de Alencar. Tendo seu trabalho financiado por D.Pedro II, 44 a obra de Carlos Gomes combinava as normas europeias com o desejo de exprimir os aspectos considerados mais originais em nossa cultura. Compunha-se música romântica, mas de base indígena, como a afirmar uma identidade ao mesmo tempo universal e particular." (SCHWARZ,1998, p.213)
Com essa apresentação Carlos Gomes colocou romantismo brasileiro ao lado das outras tendências europeias de então. Além do movimento romancista, Pedro II financiava às suas próprias expensas profissionais de várias áreas com vistas a formar uma nova geração de intelectuais, confirmando sua opinião que o progresso da nação viria através da cultura, dentre os beneficiados estavam arquitetos, advogados, farmacêuticos, médicos, professores, músicos, agrônomos, advogados entre outros. A frase favorita do jovem imperador era "eu sou a ciência", em referência a Luís XIV, para ele o progresso se vinculava à ciência e ao intelecto. Contrapondo - se a todo esse avanço cultural, o Brasil continuava sendo um país escravocrata ofuscando toda essa imagem de civilidade que se buscava criar.
Com o passar dos anos o imperador começou a se tornar recluso, evitando festas oficiais e bailes da elite carioca, passou a mudar seu comportamento e vestimentas, inspirado no seu contraparente Luís Filipe I da França, ele agora encarnava o papel de um monarca cidadão, ofuscando sua imagem majéstica e todo o ritual que ela representava. Vemos na foto de Otto Hees um imperador sem nenhuma referência ou símbolos imperiais de fotos e gravuras de anos anteriores, discreto com seu jaquetão e cartola na mão esquerda. Pedro II, irritava-se com a pompa dos grandes rituais quando visitava as províncias, aboliu o costume português do beija-mão e renunciou ao título de soberano, porque na sua opinião a soberania é do povo. Consta na obra As barbas do imperador, um monarca nos trópicos, a seguinte afirmação: "o rei esquece o ritual majéstico e se apresenta como um cidadão do mundo, emancipado pela cultura".(SCHWARZ,1998, p.500).Schwarcz afirma:
"Nessa época também, o imperador se dedicaria de maneira mais evidente à maçonaria, atitude que descontentaria a Igreja e seria desaprovada, quando divulgada, por uma parcela significativa da população". (SCHWARZ,1998,p.626)         
Atualmente, o Brasil é um Estado laico, de acordo com a Constituição de 1988, em contrapartida, a Constituição de 1824 estabelecia o catolicismo como a religião oficial do império do Brasil, existindo assim uma relação formal entre a Coroa e a Igreja; os próprios sacerdotes recebiam tratamento semelhante aos funcionários públicos, recebendo salários da Coroa. Ao monarca era facultado o direito ao beneplácito que era a aprovação das ordens e bulas papais para que fossem cumpridas ou não, no território do império e o padroado que era a prerrogativa de preencher os cargos eclesiásticos mais importantes.
A bula papal "Syllabus" (1864) e o Concílio Vaticano 1º (1869 - 1870) consagraram a doutrina do ultramontanismo, que postulava a infalibilidade do papa e combatia instituições que defendiam a secularização e o anticlericalismo. Em dezembro de 1872, o bispo de Olinda, Vital Maria, adepto do ultramontanismo passou a ameaçar de excomunhão os que tivessem ligações com a maçonaria. Os perseguidos recorreram ao governo provincial que encaminhou o recurso à Corte, que declarou Vital Maria era incompetente para punir a irmandade, papel que caberia somente ao imperador. No início de 1874, o bispo foi condenado a 4 anos de prisão, e a solução para o impasse só ocorreu em 1875, quando Pedro II e o Papa Pio IX chegaram a um consenso, com o monarca concedendo a anistia ao religioso. A imagem de Dom Pedro II com setores da igreja católica ficou definitivamente abalada a partir de então, a monarquia perdia ali um de seus maiores aliados.

A nobre família fragmentada, anos de guerra, abolição e fim da monarquia brasileira.

Uma das personagens da família imperial presente na última foto tirada em terras tupiniquins é Isabel Cristina Leopoldina Augusta Micaela Gabriela Rafaela Gonzaga, ou Princesa Isabel, nasceu mais precisamente no dia 29 de julho de 1846, teve uma infância tranquila ao lado da irmã, cresceu em São Cristóvão, na chácara imperial, cercada de jardins floridos. Reconhecida como herdeira do trono, seria uma monarca em uma época em que a sociedade era arcaica e extremamente religiosa, cuja hierarquia a mulher estava abaixo do homem na sociedade. A princesa imperial teve uma rotina severa de estudos, jornada essa dupla, pois além de aprender a desempenhar o papel de esposa, também tinha de ter a formação compatível à imperatriz que um dia viria a ser, então debruçou-se nos estudos, ao lado da irmã, a princesa Leopoldina. A principal característica das duas princesas era a forte devoção, as duas eram extremamente religiosas. Quando Isabel tinha 14 anos de idade, prestou juramento solene de princesa imperial do Brasil, perante as câmaras ela afirmou: "Juro manter a religião católica apostólica romana, observar a Constituição política da nação brasileira e ser obediente as leis e ao imperador". Casou - se em 1864 com Gastão de Orleans, o conde d'Eu, que passou assim, a ser príncipe imperial e posteriormente príncipe consorte do Brasil. Na última fotografia da família imperial no Brasil a princesa ocupa um papel central, de destaque, ao lado direito( esquerdo para quem olha a foto) do imperador e a frente ao acima de outros membros, já começava ali uma simbologia em alusão a um 3º reinado que ela já vislumbrava, contrapondo a adoração em seu nome, o culto ao isabelismo e o título de redentora, ela  não seria um dia imperatriz, assim como o pai, ela estava totalmente alienada diante da intenções republicanas que estavam em andamento quando o retrato foi tirado.
Outro personagem da família imperial presente na foto de Otto Hess é Luis Filipe Maria Fernando Gastão nasceu no dia 28 de abril de 1842, em Nevily - sur - Seine, era membro da família real francesa, neto rei Luís Filipe I da França, filho de Luís de Orléans, o duque de Nemours e da princesa Vitória de saxe - Coburgo e Koháry. Pertencia à casa de Orléans, ramo cadete da casa de Bourbon que integrava o todo da Dinastia Capetíngia, originada na figura de Hugo Capeto, consagrado rei dos Francos em 987. Desde pequeno Gastão teve uma formação voltada à carreira militar, com um pai muito rígido que durante toda vida insuflaria no filho à associação de honra com vitórias militares, os Orléans tinham a tradição de rezar para Marte, o Deus da guerra, antes das batalhas. Por influência do tio Antônio, casado com Luísa da Espanha, irmã da rainha Isabel II, tem a oportunidade de iniciar a carreira militar na Guerra entre Espanha e Marrocos, em outubro de 1859. Gastão teve um papel preponderante anos mais tarde em outro conflito do outro lado do Atlântico, a Guerra do Paraguai. Na foto de Otto Hess, Gastão é o único que se mostra altivo, olhando para o horizonte ao invés da câmera, no fundo ao lado direito, atrás dos filhos, refletindo como era também sua relação com os parentes da esposa.
Com a chegada da década de 1860, a imagem pacífica do governo imperial começa a mudar, Dom Pedro II tomava as rédeas da política de forma generalizada, assim como fazia na área cultural. A Guerra do Paraguai pode ser vista tanto como o ápice do segundo reinado, como o início de seu ocaso, o governo se dedicou tanto a esse conflito internacional que deixou de lado importantes e urgentes reformas internas como o processo de abolição da escravatura, a imagem pacífica de Dom Pedro também foi ofuscada, sendo que ele tomou como questão pessoal a caça a Solano Lopes, que deu origem ao conflito, com sua ambição desenfreada e seu caráter ditatorial e autoritário.
A Guerra do Paraguai foi reflexo da consolidação das nações da bacia platina, também ficou conhecida como Guerra da Tríplice Aliança, durou 6 anos, teve início em dezembro de 1964 e teve seu fim apenas em 1870, com a morte do ditador Solano Lopes, em Cerro Cora. O que se deu foi o seguinte: o Brasil entrou em um conflito bélico no Uruguai que estava em polvorosa, sofria constantes disputas entre os caudilhos locais. A estrada fluvial que envolvia os rios Paraná, Paraguai e São Lourenço era essencial para se chegar de forma menos dispendiosa ao Mato Grosso, era essencial para escoar a mercadoria e transporte marítimo. Havia duas facções dominantes no Uruguai, os colorados e os blancos; o governo brasileiro imperial ao lado do governo argentino apoiou a facção dos colorados, ajudando a depor o ditador Aguirre, aliado do famigerado Solano Lopes. Com retaliação, o ditador paraguaio interceptou o navio brasileiro Marquês de Olinda e atacou a cidade de Dourados em Mato Grosso, em seguida fez incursões no território argentino com o objetivo de tomar o Rio Grande do Sul; foi o estopim da Guerra contra as pretensões de Lopes e foi criada a Tríplice Aliança, um acordo militar entre Brasil, Argentina e Uruguai.
A princípio se esperava que a guerra não durasse muito tempo, mas as coisas não aconteceram assim, pois ela se estendeu por mais 5 anos com o ditador paraguaio conseguindo resistir. O Estado Imperial reorganizou o exército em padrões modernos, e a partir de 1866, com a entrada do General Caxias, instituiu o alistamento obrigatório, além de anexar cada vez mais a população negra na conformação da instituição, alforriando escravos para o front, consistindo num bom negócio para eles que ganhavam à liberdade e seus senhores, que eram indenizados por fornecer esse tipo de “voluntário”. A mudança na “colaboração” no exército brasileiro foi amplamente divulgada nos jornais paraguaios por intermédio de charges em que os combatentes brasileiros eram caracterizados como macacos, fato que irritava o imperador e aumentava ainda mais sua obstinação na caça ao ditador, com o tempo uma parcela da corte e de políticos do partido liberal passou a responsabilizar o imperador pela continuidade da guerra. A resistência paraguaia caiu apenas em agosto de 1868 junto com a fortaleza de Humaiatá, nos meses seguintes as forças brasileiras acabaram com os paraguaios nas batalhas de Avaí, Itororó e Lomas Valentinas, tendo finalmente tomado a capital Assunção em janeiro de 1869. O ditador Lopes fugiu e se refugiou no interior do país, na ilusão que poderia reestruturar suas tropas. Nessa altura dos acontecimentos, com sua saúde abalada devido à idade, 65 anos, e não vendo sentido em prosseguir com uma guerra já ganha, unicamente pela vaidade de Pedro II, o Marquês de Caxias abandonou seu posto e voltou para o Rio de Janeiro. Coube ao imperador incluir à tarefa de caçar Lopes ao genro, quem auxiliaria o príncipe na cruzada de caçar Lopes era o general Osório, mesmo com a mandíbula esmagada na batalha de Avaí ele se uniu ao príncipe francês num sólida amizade, e por ser adorado pelos soldados eles levantaram as tropas, na obra o Castelo de Papel há um trecho em que o general fala de Gastão:
"Comanda-nos um príncipe tão patriota, tão devotado à causa do Brasil quanto o melhor brasileiro, ilustre por sua ascendência, ilustre por suas virtudes".(PRIORE,2013, p.112)
Gastão era um liberal e demostrou isso enviando um ofício ao governo provisório da República do Paraguai abolindo a escravidão, no texto que enviou, ele contou que encontrou muitas pessoas se dizendo escravos e pedindo a ele a liberdade. No dia 4 de março de 1870, um oficial subalterno comunica ao príncipe que Lopes e o filho adolescente foram mortos sob golpes de lança de um caporal do 19º de cavalaria chamado Chico Diabo, a notícia emocionou a todos: enfim a guerra terminou.
As coisas mudaram nas forças armadas com o final da guerra, o exército que abrigava desajustados e foras da lei aumentou mais de 3 vezes seu efetivos, homens que encontraram na carreira militar a chance de ascender socialmente e a partir dali não perseguiriam mais escravos em respeito aos soldados negros que lutaram lado a lado no Paraguai, as ideias positivistas começavam a se difundir com muita força entre os oficiais, além disso, os oficiais do exército se sentiam desprestigiados pela monarquia, por seus cargos públicos serem baixos, em comparação a outros de então, esse também seria outro fator preponderante para a queda da Monarquia anos mais tarde.
De volta à rotina, outro problema tirava o sono do jovem casal de príncipes, a suposta infertilidade da princesa Dona Isabel, afinal de contas o trono do Brasil não poderia ficar sem um herdeiro, o catolicismo sempre considerou a maternidade um valor feminino, pois é associado à imagem da virgem Maria, este foi um dos motivos que aproximou ainda mais a princesa da Igreja, a ponto de ter até a fama de beata, coisa que na época se tornava antiquada com as novas ideias iluministas que estavam fervilhando pela Europa e o mundo. Diante desse impasse, o imperador tomou uma decisão: buscar os netos na Áustria. Seu neto mais velho, também presente na última foto em solo nacional, Pedro de Alcântara Augusto Luís Maria Miguel Rafael Gonzaga de Bragança Saxe - Coburgo era o filho primogênito da princesa Leopoldina com Luís Augusto de Saxe-Coburgo, o Duque de Saxe. Pedro Augusto morava com os pais na Áustria quando a mãe morreu prematuramente aos 23 anos de idade, vítima de tifo, o jovem então aos 6 anos de idade, junto com seu irmão de 5, foram trazidos ao Brasil para serem moldados como futuros monarcas, se caso ficasse confirmado a esterilidade da princesa Isabel. O avô também se sensibilizava e entendia a dor das crianças, afinal também perdeu a mãe muito cedo e queria lhes dar uma nova família nos trópicos.
Por ser herdeiro do trono, Pedro Augusto sempre foi tratado com deferência desde sua chegada ao Brasil, seja no paço, seja na corte, seja no colégio Dom Pedro II pelos colegas e professores alimentando ainda mais o sonho de futuro imperador no jovem príncipe, mas alguns anos depois esse sonho viria por água abaixo. Em 1875 nasce Pedro de Alcântara, o Príncipe do Grão-Pará, o herdeiro tão desejado da princesa Isabel. Pedro Augusto se desesperou, porque não seria mais o futuro imperador, iria perder todo o prestígio que tanto almejava, a notícia devastou o jovem de tal maneira que a partir dali passou a nutrir ódio aliado a desprezo e inveja pelos tios e primo, o qual chamava pejorativamente de "maneta" e “mão seca” devido ao fato de o herdeiro ter nascido com uma deficiência em uma das mãos, agora ele teria de engolir a seco que não estava mais na sucessão do avô, nessa época começa a desenvolver a depressão que um dia o levaria à loucura, Mary Del Priore diz em seu livro "O Príncipe Maldito":
"Educadamente, elegantemente, Pedro Augusto tinha de aceitar uma nova ordem hierárquica, na qual, não era mais o primeiro. Atropelado pelas circunstâncias, foi relegado a um isolamento triste. Como não podia rejeitar a realidade, nem se revoltar, adoecia".(PRIORE, 2007,p.62)
Devido à deficiência de Pedro de Alcântara, chamado de baby pelos pais, o casal d'Eu passaria três anos na Europa em busca de tratamento, com a esperança de recuperar o lugar que julgava seu por direito, afinal era ele o neto mais velho. O príncipe começou a formar uma biblioteca seguindo os conselhos do avô e se dedicou com todas as suas forças aos estudos no intuito de impressionar ainda mais o sábio imperador. Aos 16 anos já cursava a Escola Politécnica onde se formaria engenheiro especializado em mineralogia. Na foto de Hees, Pedro Augusto é o segundo ao fundo, ao lado do avô, também pode-se fazer uma leitura simbólica, atrás do poder, no fundo às sombras, esperando a hora de tomar o que julga seu por direito.
A princesa Isabel com a chegada de mais dois filhos passou a desempenhar cada vez mais o papel de dona de casa, cuidando da família, não militando ativamente em favor da abolição da escravatura, e só se inserindo em assuntos políticos quando assumia a regência devido às viagens do pai, nessa hora era auxiliada pelo marido que a aconselhava, e assim, começou a perder sua popularidade, devido a uma campanha maciça dos republicanos insurgentes contra a sua pessoa (não admitiam um estrangeiro opinando em assuntos sobre a soberania nacional), era acusado de agiotagem e chamado de "corticeiro", "carola", "francês”, essas representações repetidas ganhavam caráter político, sendo o príncipe até impedido de andar ao lado da esposa nas câmaras. Na foto de Hees, Gastão tinha um papel de coadjuvante, talvez esses fatos expliquem ele ter uma postura à parte da família no retrato, ele era um liberal, e ao contrário dos outros membros já esperava a queda dos Bragança mais cedo ou mais tarde.
Isabel tinha uma fidelidade à igreja católica tão forte que era interpretada como alguém cheia de crendices, carola, numa época em que o país entrava em contato com outras religiões como o espiritismo de Allan Kardec, e com as ideias iluministas e positivistas borbulhando na Europa. O próprio imperador não tinha confiança no reinado da filha, acreditava que lugar de mulher não era na política, já havia uma predileção mal disfarçada do imperador pelo neto Pedro Augusto. Para alguns, a princesa começou a simbolizar o arcaísmo, os republicanos mais radicais temiam inclusive ela submetesse o Estado à Igreja enquanto o jovem Pedro Augusto representava o futuro, pois defendia um Estado laico. Começa a se formar nos bastidores, de forma velada, um movimento de liberais em torno da candidatura de um Dom Pedro III, uma parcela propôs que ele fosse o primeiro imperador- presidente, fazendo a passagem de um regime para outro que seduziram o príncipe, com isso enfraqueceram ainda mais a frágil unidade familiar dos Bragança. Os planos foram por agua a baixo quando Pedro Augusto começou a revelar sinais de insanidade mental, a desconfiança geral de um terceiro reinado nas mãos de um estrangeiro se tornava cada vez maior.
Depois da Guerra do Paraguai os olhos se voltaram para a questão da abolição da escravatura, bandeira do movimento de oposição republicano, que ainda envergonhava o país perante as nações europeias. A abolição ocorreu de forma lenta nas próximas décadas, e provocou a ascensão e a queda de muitos gabinetes conservadores e liberais, em 1871 é promulgada a Lei Rio Branco, popularmente conhecida como Lei do Ventre Livre, a partir dali todos os filhos de escravas nasceriam livres, infelizmente, ainda com restrições em favor de seus proprietários. Em 1884, a escravidão é extinta nas províncias do Ceará e Amazonas e em 28 de setembro de 1885 é promulgada a lei Saraiva, libertando os escravos com mais de 60 anos, também com uma cláusula restritiva obrigando-os a mais 3 anos de trabalho. Também foi em 1884 que o Partido Liberal aderiu ao movimento abolicionista oficialmente, o Partido Conservador faria o mesmo somente em 1888.
Longe da Corte, em Petrópolis, a princesa enfim se engaja e começa a trabalhar na questão da abolição da escravatura; para auxiliá-la na causa chega o amigo abolicionista engenheiro André Rebouças, que se instala no Hotel Bragança e imediatamente começa a trabalhar na propaganda abolicionista, fazendo ao lado da princesa um desfile de carros alegóricos com flores divulgando e arrecadando dinheiro para alforrias. O gabinete do Presidente dos Ministros João Alfredo aprova a Lei Áurea, medida essa que não teve indenização aos proprietários dos escravos, e no dia 13 de maio de 1888, enfim o sonho foi concretizado, diante de uma multidão de mais de 10 mil pessoas, os príncipes chegam ovacionados, o povo numa explosão de alegria e delírio saudava a princesa Isabel quando a mesma recebeu a legação para a assinatura. A Lei Áurea de 1888 tardou demais, pois redimiu apenas 700 mil escravos de um total de 15 milhões de habitantes, não apagando a imagem escravocrata do Império do Brasil para a história, contrastando totalmente com a imagem que o imperador tanto idealizou para a sua pátria.
O povo brasileiro explodiu em felicidade, as festas duraram o resto de 1888 e também o ano de 1889, a monarquia chegava ao auge da sua popularidade e a princesa era idolatrada. No entanto, nem todos ficaram felizes com a nova lei, os fazendeiros cafeicultores do Vale do Paraíba inconformados com a abolição queriam ser indenizados, romperam com a família imperial, por mais que a mesma os premiasse com títulos de nobreza ou se justificasse alegando que a medida era inevitável. A monarquia também sem o apoio do exército e igreja agora se encontrava à deriva, rachada internamente e sozinha politicamente. A família imperial não foi, a única responsável pela abolição e também poderia  tê-la realizado antes, mas seu feito foi, no mínimo, corajoso e exteriorizou o seu amor pelo Brasil.

Golpe republicano e desconstrução

Em maio de 1888, o Presidente do Conselho de Ministros, João Alfredo, pediu demissão, em seu lugar ocupou o cargo Afonso Celso de Assis Figueiredo, mais conhecido como Visconde de Ouro Preto,  ele elaborou em 1889, uma série de reformas que beneficiariam muito a população do Império do Brasil, dentre elas estavam: liberdade ao culto, liberdade de ensino, maior autonomia das províncias, mandatos limitados e não mais vitalícios no Senado, redução das prerrogativas de Estado dentre muitas outras, talvez a mais polêmica delas seja o projeto de uma espécie de reforma agrária onde se realizaria o assentamento de famílias de ex-escravos ao longo das ferrovias de todo o império, constava no projeto que bancos europeus providenciariam os recursos financeiros para as necessárias desapropriações. Tais reformas beneficiariam a população negra de então e fortaleceriam ainda mais a imagem da monarquia perante eles e logo, as reformas foram vetadas veementemente pela bancada conservadora, formada em sua maioria por fazendeiros escravocratas e muito ressentidos pela abolição da escravatura no país, agora adeptos da causa republicana. As posições estavam cada vez mais radicalizadas, da parte do exército vinham as manifestações de maior descontentamento, eram defensores republicanos do positivismo, com a pressão desse segmento, o movimento da República se alastrava nos bastidores. Um boato sobre a prisão de Marechal Deodoro da Fonseca se espalhou, gerando alvoroço entre os militares, o próprio Deodoro invadiu o gabinete e destituiu Ouro Preto do cargo. Dom Pedro II estava em Petrópolis e lá ficou esperando uma visita de Deodoro, visita essa que nunca ocorreu, pois ele não teve coragem de encarar o velho monarca, mandou oficiais subalternos apenas para comunicar o banimento da família imperial.
O “golpe militar” de 1889 em que foi implantada a República Federativa do Brasil não teve apoio popular, já que o Imperador vivia o auge de sua popularidade, a proclamação foi um golpe aplicado por uma minoria de fazendeiros escravocratas, aliada a militares positivistas, e a alguns poucos segmentos da Igreja. O Partido Republicano não tinha poder eleitoral, visto que em agosto de 1889, quando se deu a eleição para a câmara dos deputados, os republicanos receberam somente 12% dos votos, a força republicana era regional, tinha certa relevância apenas no Rio Grande do Sul e São Paulo. Entre os próprios republicanos também não havia consenso sobre o tipo de república que desejavam, se era a presidencialista ou parlamentarista, e como ela seria implantada num país que sempre teve o regime monárquico. O que ocorreu em novembro de 1889, ocorreria em 1930 e em 1964, cada caso com as peculiaridades e razões de seu período histórico: uma intervenção militar na política em favor das elites vigentes. No decreto assinado pelo Marechal Deodoro da Fonseca em 15 de novembro de 1889 se dizia o seguinte: “Fica proclamada provisoriamente e decretada como forma de governo da Nação Brasileira – a República Federativa”.  Sendo assim, depois de horas de indefinição por parte dos militares conspiradores, a proclamação da República era provisória! Constava no artigo 7º da proclamação que se aguardaria “o pronunciamento definitivo da Nação, livremente expressado pelo sufrágio popular” – tendo em vista um plebiscito que confirmaria a República ou a traria de volta a Monarquia ao país. O plebiscito só ocorreu 104 anos mais tarde, a monarquia obteve 6.843.196 votos, 13,4% do eleitorado de então.
Os militares se empenharam com afinco em destruir e desconstruir toda evolução conseguida pelas instituições monárquicas, Lilian Schwarcz afirma em seu livro As barbas do Imperador:
 “Ao mesmo tempo que o novo governo tomava as primeiras medidas, modificavam – se também rapidamente nomes e símbolos, na tentativa frustrada de concretizar a mudança de regime”.  (SCWARCZ, 1998,p.703)
Houve um processo maciço por parte dos republicanos em apagar da memória nacional as grandes conquistas e personagens do império como Machado de Assis, reconhecidamente o maior e mais respeitado escritor brasileiro em todos os tempos, autor de Memórias Póstumas de Brás Cubas e fundador da Academia Brasileira de Letras. Monarquista confesso, ele previu com exatidão o que estaria por vir assim que a República foi implantada na crônica “A opinião pública”, publicada em 5 de março de 1867 no jornal “Diário do Rio de Janeiro”, nela Machado dizia o seguinte:
“Quanto às minhas opiniões políticas, tenho duas, uma impossível é a República de Platão. A realizada é o sistema representativo (a Monarquia). É sobretudo como brasileiro que me agrada esta última opinião e eu peço aos deuses (também creio nos deuses) que afastem o Brasil do sistema republicano, por que esse dia seria o nascimento da mais insolente aristocracia que o sol jamais aluminou".
Com a queda da monarquia, as oligarquias se mantiveram no poder a partir de 1894 até 1930 com o golpe de Vargas. Se adicionarmos a esse período os anos em que o Brasil viveu sobre ditaduras (1889 – 1891), (1930 – 1945) e (1964 – 1985) veremos que dos 130 anos de regime republicano, tivemos 74 de ausência de democracia, em mais de 50% desse espaço de tempo o povo não teve voz. Falando sobre questão democrática, enquanto se deu o regime monárquico no Brasil o voto foi censitário, a legislação de então impunha restrições para esse quesito e não havia sufrágio universal. Para os dias atuais pode parecer um absurdo votar apenas 10,8% da população, mas para a época era um bom número, em quantidade de votantes, comparando com todos os outros países americanos o Brasil ficava atrás somente dos Estados Unidos onde votavam 18% da população. Na primeira eleição republicana no Brasil apenas 2,2% da população brasileira votou, situação que pouco mudou durante o período oligárquico em que o percentual de votantes não ultrapassava a pífia marca de 5,6% da população. A situação econômica também declinou vertiginosamente nos primeiros anos da Republica do Brasil. Em 67 anos de Império tivemos uma inflação média anual de apenas 1,58% contra 10% nos primeiros 45 dias da República, 41% em 1890 e 50% em 1891.
Carlos Gomes, compositor de “O Guarani”, a música brasileira de maior êxito no exterior, também fez parte dessa desconstrução republicana, devido a ter se negado a compor o hino republicano, em lealdade ao imperador que havia patrocinado seus estudos em Milão, Joaquim Nabuco foi outra vítima. Esses grandes heróis imperiais foram substituídos pela figura de um novo herói que já nos primeiros anos do novo regime ganharia iconografia política, estamos falando de Tiradentes que era pouquíssimo conhecido até então e a partir dali teria sua imagem associada à de Jesus Cristo, em decorrência do quadro de Pedro Américo que se converteu ao novo regime após a proclamação. Scwarcz enfatiza:
“Outros símbolos nacionais, como a bandeira e o hino, seriam, como vimos, rapidamente modificados. O hino conservou a melodia imperial, a bandeira manteve as cores dos Bragança e Habsburgo, mudando – se, porém, a explicação das mesmas”.(SCHWARCZ, 1998, p.710)
D. Pedro II, decidiu fazer um longo passeio numa carruagem aberta quando estava em seu exílio na capital francesa, o imperador queria contemplar o Rio Sena num dia de muito frio e leve garoa e acabou pegando um resfriado que devido a sua frágil saúde (já nitidamente fraca) na foto de Hees, evolui para um quadro de pneumonia, acabou falecendo no dia 5 de dezembro de 1891, ao lado da filha, genro e todos os netos, no hotel Bedford, onde residia.  A morte de Dom Pedro II causou comoção em nível mundial, tamanha era sua popularidade. O governo republicano francês do presidente Sardi Carnot prestou homenagens de Chefe de Estado, atitude que irritou profundamente o governo dos republicanos no Brasil, que tentaram impedir o funeral e os símbolos do Império do Brasil a todo custo. O imperador era respeitado na França devido a ter sido o primeiro Chefe de Estado a visitar o país oficialmente após a derrota para a Prússia em 1870.
O governo republicano português concedeu ao Imperador Dom Pedro II e a imperatriz Tereza Cristina uma exumação digna de chefe de Estado, e os restos mortais das majestades foram transportados de volta ao Brasil em janeiro de 1921, acompanhados pelo Conde d'Eu e de seu filho Pedro de Alcântara, o Príncipe do Grão - Pará, a Princesa Isabel, combalida e limitada fisicamente por sérios problemas de saúde não pôde comparecer à cerimônia que também deu ao Imperador o status de chefe de Estado, a redentora morreria no ano seguinte, sem nunca ter realizado o desejo de voltar a sua pátria.
Como vemos na foto de Otto Hees, a princesa Isabel teve 3 filhos, todos presentes no retrato, Pedro de Alcântara, Antônio e Luís. Dom Antônio, o segundo da direita para a esquerda, a frente do pai, quando chegou à vida adulta seguiu carreira militar na Europa, foi tenente do Império Austro-Húngaro e participou da Primeira Guerra Mundial como piloto de aviões defendendo a Inglaterra, ele morreu no dia 29 de novembro de 1918, aos 37 anos, logo após a guerra da qual saiu ileso, num acidente aéreo quando praticava exercícios militares nos arredores de Londres.
Dom Pedro de Alcântara, o primeiro garoto da direita para a esquerda, em frente ao pai, era o herdeiro legítimo do trono brasileiro, em 30 de outubro de 1908, renunciou a qualquer direito monárquico em uma possível volta do antigo regime ao Brasil. Na sequência Pedro de Alcântara casou - se com a nobre tcheca Elisabeth Dobrzenic, que não tinha uma linhagem nobre o suficiente para se casar com um príncipe, tiveram 5 filhos que deram origem ao ramo imperial de Petrópolis.
O herdeiro do trono se tornou Dom Luís, o filho caçula da princesa Isabel, a criança sentada no lado esquerdo do retrato tirado por Hees, isolados dos irmãos e em frente à avó, quando cresceu se tornou muito ativo e se envolveu publicamente na campanha de restauração da Monarquia, em decorrência de suas defesas das causas sociais para o povo do Brasil se tornou conhecido como "O Príncipe perfeito". Combatendo na primeira Guerra Mundial, Luís contraiu um tipo agressivo de reumatismo ósseo que inclusive o deixou impossibilitado de andar, morreu em 1920 em decorrência desta doença, mas deixou 3 filhos, que retornando ao Brasil ficaram uma temporada em Jacarezinho (Paraná) até se estabelecerem no interior do Rio de Janeiro, mais precisamente na cidade de Vassouras, dando origem ao ramo da família imperial que leva o nome desta cidade.



Considerações finais:
                   
Atualmente, a escola não aprofunda os temas da História do Brasil nesse período do segundo reinado. Algumas vezes, só são permeados alguns temas como a escravidão e a abolição da escravatura, mas não se ensinam alguns importantes aspectos como o dos personagens citados durante todo o texto. Seria interessante não só para a formação dos discentes que eles tenham uma visão mais ampla de nossa história, de como era a sociedade daquela época, de como pensavam os homens daquele tempo, de apontar quais interesses dominavam, de mostrar que o imperador não governava sozinho, porque é comum se ver ensinando que o imperador tinha poder ilimitado em suas mãos, quando na realidade ele agia como poder moderador e pretendia fazer uma série de reformas que beneficiariam o país.
Lamentavelmente, a narrativa dos republicanos encontrou amparo em alguns historiadores marxistas, que, tratando a família imperial como parte da elite, não pôde ver em seus atos qualquer evolução, pois na visão deles, eles eram parte dos opressores-burgueses-exploradores. Portanto, que a nossa história seja restabelecida com todas as contradições que a mesma carrega, que possamos lidar com elas com maturidade, e que não aceitemos mais que ela seja desprezada por interesses ideológicos ou mesmo partidários.


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