segunda-feira, 29 de julho de 2019

A Família Monárquica Brasileira - Versão 2 (Analise de fontes)

A Família Monárquica Brasileira
Fabio Cardoso Pinto¹

Resumo: O artigo propõe analisar os personagens da Monarquia brasileira e acontecimentos importantes do século XIX através da foto de Otto Hess, última tirada antes do exílio em decorrência da proclamação da República, a pesquisa analisa minuciosamente a imagem, seguindo de um breve panorama da sociedade imperial na segunda metade do século XIX , quando ocorreu a proibição do tráfico negreiro, gerando renda e uma série de benefícios na infraestrutura e parte social, contrastando com essa evolução, a escravidão  em todos os lados. A análise segue com a Guerra do Paraguai e a abolição da escravatura culminando no golpe militar de 1889.

Palavras Chave: Dom Pedro II; monarquia; fotografia; Otto Hees.

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¹ Professor licenciado em História pela Faculdade Sumaré


Última foto da Família Imperial antes do exílio


Título: Família Imperial na varanda da residência da Princesa Isabel

A imagem mostra a Família imperial poucos dias antes da Proclamação da República, em 1889. Da esquerda para a direita: Dona Teresa Cristina Maria, D. Antônio, Princesa Isabel, D. Pedro II, D. Pedro Augusto (Filho da Princesa Leopoldina), D. Luiz, Conde d’ Eu, e D. Pedro (Príncipe do Grão – Pará). Obs: D. Antônio, D. Luiz e D. Pedro são filhos da Princesa Isabel e do Conde d' Eu. A foto foi publicada em: A Fotografia no Brasil: 1840 – 1900, de G. Ferrez, p. 88. Original pertencente à coleção de D. Pedro de Orléans e Bragança.
O autor da foto, Otto Friedrich Wilhelm Karl Hees (Petrópolis, RJ, 1870 - idem, 1941), ao longo de sua vida exerceu as funções de fotógrafo, funcionário público, militar e político. Filho do fotógrafo alemão Pedro Hees. Inicia seus estudos no Colégio Alemão, em Petrópolis. Quando pequeno, aprende fotografia com seu pai, morto quando Otto era uma criança de dez anos. Algum tempo depois, na década de 1880, inicia a carreira de fotógrafo. Em outubro de 1889 abre outro estúdio, em Juiz de Fora.Alguns dias antes da Proclamação da República, em novembro de 1889, faz a última fotografia da família imperial antes da deposição e exílio. No início de 1890, junto de seu irmão, Numa Hees, em maio de 1895, torna-se um dos primeiros ciclistas a completar o trajeto Petrópolis-Juiz de Fora.
É membro fundador do Clube Alemão. Em 1900, candidata-se a vereador geral e a juiz de paz em Petrópolis. Em 1901, é empossado como juiz de paz pelo biênio seguinte. No ano de 1903, fotografa o Barão do Rio Branco e outras personalidades logo após assinarem o Tratado de Petrópolis, que incorpora ao Brasil o território correspondente ao Acre. É novamente reeleito juiz de paz para os anos 1904-1905. Nas décadas seguintes, afastado comercialmente da fotografia, exerce os cargos de secretário executivo e delegado de polícia na sua cidade.
Na história da fotografia brasileira do XIX, Otto Hees tem seu nome ligado ao de seu pai, o também fotógrafo Pedro Hees. Uma única fotografia foi responsável por dar fama ao fotógrafo. Justamente em Petrópolis, onde toda a família imperial passava suas férias de verão e fins de semana, Hess produz a última imagem dos monarcas e família antes que fossem exilados, em decorrência da Proclamação da República, em fins de 1889. Todos preparados, olham atentamente para a câmera, com exceção de Gastão, que de costume deixava-se captar soberbo, olhando sempre para o horizonte. A fotografia é um retrato diurno e externo, diferente da maioria das imagens familiares do período, feitas dentro de estúdios fotográficos, e se destaca pelo registro de caráter documental, que significa para a posteridade o fim de uma era e o começo de outra.
A casa da Princesa isabel, onde o retrato foi tirado, palco da útima foto da família Imperial em terras brasileiras, foi construída por seu primeiro dono, o Barão de Pilar, em 1853, em 1874 foi alugada ao Conde d’Eu, que a comprou em 1876. Nela nasceram os dois primeiros filhos da Princesa Isabel. Em estilo neoclássico, a construção se assemelha ao vizinho Palácio Imperial de Verão, atual Museu Imperial. Está pintada no tom de tijolo característico das residências pertencentes à família imperial do Brasil durante o período imperial brasileiro (1822-1889), tem uma varanda com uma escadaria, repleta de grandes janelas brancas em forma de arco e muito verde em torno das colunas romanas, no alto uma luxuosa luminária. No frontão ostenta o monograma G.I., de Gastão & Isabel. Após a proclamação da república brasileira, passou a ser ocupada pelas legações diplomáticas e pela Nunciatura Apostólica. Posteriormente, abrigou estabelecimentos de ensino. Atualmente, ali funciona a Companhia Imobiliária de Petrópolis, pertencente a alguns príncipes de Orléans e Bragança, mais precisamente o ramo de Petrópolis, que são descendentes da família Imperial brasileira, cuja direção estava sob o comando do príncipe D. Pedro Gastão de Orleans e Bragança até fins do século XX.
A primeira personagem da esquerda para a direita é Imperatriz Teresa Cristina Maria, ela aparece sentada do lado esquerdo da fotografia, com uma expressão melancólica, trajando um vestido listrado com tonalidades escuras predominante, os cabelos grisalhos presos, está na parte debaixo do retrato, abaixo dos outros membros da família assim como acontecia em sua vida social, sempre com um papel secundário e se dedicando somente as tarefas de esposa sem ter peso político algum sendo assim, a foto reflete sua posição na família imperial. Dom Antônio, o filho caçula da princesa Isabel, é a criança sentada com as pernas cruzadas no retrato tirado por Hees, cabelos loiros e lisos, isolado  dos 2 irmãos e a direita da avó, o garoto olha fixamente para a câmera, concentrado, com um olhar curioso, vestido com uma roupinha de marinheiro, escura com o detalhe da borda branca, calças curtas com longas meia e bota, quando a imagem foi capturada, era o terceiro na linha de sucessão do trono brasileiro, chegando à vida adulta seguiu carreira militar na Europa, foi tenente do Império Austro-Húngaro e participou da Primeira Guerra Mundial como piloto de aviões defendendo a Inglaterra, ele morreu no dia 29 de novembro de 1918, aos 37 anos, logo após a guerra da qual saiu ileso, num acidente aéreo quando praticava exercícios militares nos arredores de Londres.
Na última fotografia da família imperial no Brasil a princesa ocupa um papel central, de destaque, a frente ou acima dos outros membros da família (ao lado pai) trajando um vestido de cor mais clara que o da mãe, com um semblante sereno em seu não afortunado rosto, os cabelos cacheados presos, apoiada ao lado do pai, como se fosse o "braço direito" do imperador, e a frente ou acima de outros membros do clã, já começava ali uma simbologia em alusão a um 3º reinado que ela já vislumbrava, contrapondo a adoração em seu nome, o culto ao isabelismo e o título de redentora, ela  não seria um dia imperatriz, assim como o pai, ela estava totalmente alienada diante da intenções republicanas que estavam em andamento quando o retrato foi tirado.
Na foto de Otto Hess vemos o imperador em lugar de protagonista, numa posição central junto da Princesa Isabel revelando a importância dos mesmos, acima ou a frente dos outros personagens da fotografia, ostentando sua barba branca e pouco cabelo, em sua pose característica, com a mão direita no jaquetão lembrando Napoleão, segurando sua cartola com a mão esquerda, é notável o desgaste físico e vulnerabilidade do já velho monarca, mas o que impressiona é o olhar distante, refletindo o que também estava ocorrendo politicamente no momento em que a foto foi imortalizada, os republicanos planejando o golpe e o mesmo alheio a tudo que está acontecendo, vemos na foto de Otto Hees um imperador sem nenhuma referência ou símbolos imperiais de fotos e gravuras de anos anteriores.
O próximo personagem presente na fotografia, o Príncipe Pedro Augusto,  ele está com o cabelo repartido, tem um bigode fino, está em pé, levemente atrás do avô e tia, vestido de forma similar ao imperador, usando um jaquetão preto, com uma camisa com uma góla por baixo, inclusive com uma cartola na mão direita, ele tem uma expressão facial desconfiada e arrogante, olhando a câmera de cima para baixo, talvez essa arrogância esteja relacionada a segurança que o mesmo tinha, pois, ao contrário da tia, estava alinhado com os republicanos que nesse momento conspiravam contra o imperador, para sua decepção ele também não alcançaria o poder que tanto almejava.
O próximo personagem a ser analisado é Dom Luís, o filho caçula da princesa Isabel, o garoto está entre o tio e o pai, olhando diretamente para a câmera, com cara de poucos amigos, trajando uma roupa de marinheiro similar ao do irmão Luís, com uma camiseta com listras horizontais por debaixo da blusa e calças curtas, numa pose despojada com a mão direita na cintura, claramente mais à vontade que os outros irmãozinhos. Quando cresceu, Luís se tornou muito ativo e se envolveu publicamente na campanha de restauração da Monarquia, em decorrência de suas defesas das causas sociais para o povo do Brasil se tornou conhecido como "O Príncipe perfeito". Combatendo na primeira Guerra Mundial, Luís contraiu um tipo agressivo de reumatismo ósseo que inclusive o deixou impossibilitado de andar, morreu em 1920 em decorrência desta doença, mas deixou 3 filhos, que retornando ao Brasil ficaram uma temporada em Jacarezinho (Paraná) até se estabelecerem no interior do Rio de Janeiro, mais precisamente na cidade de Vassouras, dando origem ao ramo da família imperial que leva o nome desta cidade.
Gastão tem os cabelos e cavanhaques castanhos, é o único que se mostra altivo, olhando para o horizonte ao invés da câmera, vestindo um jaquetão aberto com um colete por baixo, gravata, atrás dos filhos, está ao fundo da imagem na extrema direita da foto, refletindo como era também sua relação com os parentes da esposa. Na foto de Hees, Gastão tinha um papel de coadjuvante, talvez esses fatos expliquem ele ter uma postura à parte da família no retrato, ele era um liberal, e ao contrário dos outros membros já esperava a queda dos Bragança mais cedo ou mais tarde.
Dom Pedro de Alcântara, o último personagem da fotografia, é garoto loiro à direita do pai, era o herdeiro legítimo do trono brasileiro, na foto de Hees mostra uma postura mais madura que os irmãos, vestido de forma formal, com terninho em tonalidades claras e gravata, encostado no corrimão da escadaria, dos 3 irmãos é que tem o semblante mais sereno. No dia 30 de outubro de 1908, renunciou a qualquer direito monárquico em uma possível volta do antigo regime ao Brasil. Na sequência Pedro de Alcântara casou - se com a nobre tcheca Elisabeth Dobrzenic, que não tinha uma linhagem nobre o suficiente para se casar com um príncipe, tiveram 5 filhos que deram origem ao ramo imperial de Petrópolis.
À primeira vista o retrato captado por Otto Hees passa a impressão de uma família coesa e unida. Os avós ao lado dos netos, filha e genro, mas na realidade, a situação não era exatamente assim, havia muitas coisas nas entrelinhas, como diz a historiadora Mary Del Priore em seu livro “O Príncipe maldito, traição e loucura na família imperial”:
“A herança do avô — o poder, não o dinheiro, essa coisa suja de burguês — ocasionava os mais graves e disfarçados conflitos. O inimigo não estava, portanto, fora, mas dentro dos portões. Lutas fratricidas, nas quais cada um calculava as chances do outro, resultavam em discretas lavagens de roupa suja. A autocensura tornava esses embates ainda mais cínicos, feitos de murmurações e sussurros. O medo do escândalo, da humilhação, dos comentários, amarrava avós, tios e sobrinho num pacto de silêncio e ódio. A regra era nada expor e evitar a intervenção de terceiros. Na Corte, não havia alma piedosa dedicada a reconstituir os fios rompidos. As muitas fotos do príncipe com os primos e o restante da família deviam atestar para a sociedade a serenidade do clã." ( PRIORE, 2007, p.83).
Sendo assim, a foto tirada por Hees servia para passar uma imagem de unidade, mas na realidade havia muita tensão entre os membros da família imperial que se digladiavam nos bastidores pela herança do trono do Brasil, nos quais os pretendentes ao cargo julgavam suas pretensões legais aos demais membros. Isabel tinha uma fidelidade à igreja católica tão forte que era interpretada como alguém cheia de crendices, numa época em que o país entrava em contato com outras religiões como o espiritismo de Allan Kardec, e com as ideias iluministas e positivistas borbulhando na Europa. O próprio imperador não tinha confiança no reinado da filha, acreditava que lugar de mulher não era na política, já havia uma predileção mal disfarçada do imperador pelo neto Pedro Augusto.
Para alguns, a princesa começou a simbolizar o arcaísmo, os republicanos mais radicais temiam inclusive ela submetesse o Estado à Igreja enquanto o jovem Pedro Augusto representava o futuro, pois defendia um Estado laico. Começa a se formar nos bastidores, de forma velada, um movimento de liberais em torno da candidatura de um Dom Pedro III, uma parcela propôs que ele fosse o primeiro imperador- presidente, fazendo a passagem de um regime para outro que seduziram o príncipe, com isso enfraqueceram ainda mais a frágil unidade familiar dos Bragança. Os planos foram por agua a baixo quando Pedro Augusto começou a revelar sinais de insanidade mental, a desconfiança geral de um terceiro reinado nas mãos de um estrangeiro se tornava cada vez maior. Para melhor contextuarmos a foto de Hess, contaremos alguns detalhes relevantes de como foi a sociedade no Brasil imperial nas 4 décadas finais do Império.

A sociedade do Brasil Imperial, guerra, abolição e golpe militar

A partir de 1850, o tráfico de escravos passa a sofrer enorme pressão da Inglaterra, que na conjuntura diplomática de então se sentia lesada com tal comércio. No contexto internacional, os ingleses progressivamente estabeleciam distinções entre os países em que a escravidão era autorizada e aqueles que mantinham o tráfico, mesmo proibido. A manutenção desse negócio colocava o Brasil dentro de um grupo de “nações bárbaras”, imagem oposta à que Dom Pedro II pregava. Entretanto, implantar tais determinações era uma tarefa muito difícil num país totalmente dependente da mão-de-obra escrava.
As leis do império não podiam ser compreendidas de forma isolada, a Lei de Terras, a Lei Eusébio de Queiróz e a reforma da Guarda Nacional eram medidas vinculadas. A Lei de Terras de 1850 tinha como objetivo organizar o Brasil para o fim do trabalho escravo, enquanto a centralização da Guarda Nacional visava a fortalecer a posição do Estado perante os proprietários das fazendas, infelizes com a regulamentação de terras e o final do tráfico negreiro. Também é publicado no mesmo ano o Código Comercial que tinha como finalidade legislar sobre os novos negócios que nasciam com a liberação de capital empregado no negócio escravagista. Em 1849, na cidade do Rio de Janeiro, havia 110 mil escravos para 250 mil habitantes
O final do tráfico negreiro trouxe muitas mudanças positivas para o Império do Brasil, pois como era uma atividade generalizada, a sua extinção gerou de forma repentina uma grande massa de recursos, que foram investidos na infraestrutura, principalmente nas ferrovias, a “era das estradas de ferro”, como ficou conhecida, simbolizava o avanço do progresso da nação. No período de 1854 a 1858 foram construídas além das primeiras ferrovias, as primeiras linhas telegráficas, a iluminação a gás chega às cidades, as primeiras linhas de navegação e os estabelecimentos de instrução aumentaram.
A cidade do Rio de Janeiro passou por um período de intensas mudanças com a injeção do dinheiro do tráfico negreiro, com a construção de edificações e novos comércios destinados à Corte; a capital viveu uma remodelação urbana em que o modelo espelhado foi a Paris neoclássica e obteve melhorias como: rede de esgoto (1852), calçamento com paralelepípedos (1853), iluminação a gás (1854), bondes puxados à tração animal (1859), abastecimento domiciliar de água (1874).
Com as novas avenidas vieram novos hábitos consumistas, é nesse contexto que tem destaque a Rua do Ouvidor, onde se concentrava toda a burguesia do império, havia lojas de modistas franceses, joalheiros, floristas, charuteiros, cafeterias elegantes, alfaiates, cabelereiros, perfumarias, casas de banho, confeitarias (onde era servido um doce que era a novidade de então, o sorvete), restaurantes e livrarias. Essa rua pode ser considerada o símbolo de glamour que imitava os mais recentes bulevares europeus, onde se tornava o local para o jogo simbólico de pertencimento a Corte, que passava a funcionar como um polo centralizador onde se difundem hábitos, costumes e linguagem para todo o país, símbolo da boa sociedade. É nessa época que os grandes fazendeiros constroem os solares, residências monumentais, muitas vezes erguidas na cidade, onde residiam durante um período do ano, um exemplo dessas construções é o cenário de fundo da foto de Otto Hess, com linhas neoclássicas, a residência da Princesa Isabel em Petrópolis foi construída nesse período. Cria – se uma onda de festas, reuniões, concertos e bailes e então, a Corte se opõe às províncias e se coloca definitivamente no papel de informar a civilidade e os hábitos franceses e ingleses, referência de então, com estrangeirismo exagerado, gerando inclusive críticas de intelectuais da época. Na realidade, a Corte era uma ilha cercada completamente por um ambiente rural, onde se encontravam escravos por todos os lados, ainda diminuta, o comércio pequeno e ainda marcado pelas cores e costumes africanos.
O contraste entre as pretensões civilizadoras de Dom Pedro II e o alto número de escravos era flagrante, conforme citado anteriormente. De um lado a Rua do Ouvidor, do outro, uma cidade praticamente negra com costumes e cores africanos. Existia o “reino de Obá”, conhecido como “pequena África”, composto por africanos, onde residiam escravos, libertos ou homens negros nascidos livres. Lá proliferavam mandingas, ervanários, galinheiros e quitandas, essa região segundo o censo de 1849, atestava que de cada 3 habitantes 1 era africano, existiam 74 mil negros livres e escravos nessa parte da capital do Império.
Não era apenas a escravidão que atrapalhava os projetos civilizadores do Império, afinal a Corte e outros centros urbanos estavam distantes e isolados. A população das capitais representava 8,49% de toda população do país em 1823, 10,41% em 1872 e 9,54% em 1980, dessas 50% se concentravam em apenas 3 cidades, Rio de Janeiro, Salvador e Recife. A moda europeia ainda era para poucos e a escravidão seria o calcanhar de Aquiles do Império até próximo do seu final.
Com o passar dos anos o imperador começou a se tornar recluso, evitando festas oficiais e bailes da elite carioca, passou a mudar seu comportamento e vestimentas, inspirado no seu contraparente Luís Filipe I da França, ele agora encarnava o papel de um monarca cidadão, ofuscando sua imagem majéstica e todo o ritual que ela representava. Vemos na foto de Otto Hees um imperador sem nenhuma referência ou símbolos imperiais de fotos e gravuras de anos anteriores, discreto com seu jaquetão e cartola na mão esquerda. Pedro II, irritava-se com a pompa dos grandes rituais quando visitava as províncias, aboliu o costume português do beija-mão e renunciou ao título de soberano, porque na sua opinião a soberania é do povo.
Chegando a década de 1860, a imagem pacífica do governo imperial começa a mudar, a Guerra do Paraguai pode ser vista tanto como o ápice do segundo reinado, como o início de seu ocaso, o governo se dedicou tanto a esse conflito internacional que deixou de lado importantes e urgentes reformas internas como o processo de abolição da escravatura, a imagem pacífica de Dom Pedro também foi ofuscada, sendo que ele tomou como questão pessoal a caça a Solano Lopes, que deu origem ao conflito, com sua ambição desenfreada e seu caráter ditatorial e autoritário.

Dom Pedro II em Traje de Campanha durante a Guerra do Paraguai, Porto Alegre RS – 1865 – Fotografia de Luigi Terragno – Acervo da Fundação Biblioteca Nacional
Luiz Terragno (Gênova, Itália, ca.1831 – Porto Alegre, RS, 1891) foi um fotógrafo na Itália, passou por Paris antes na América do Sul. Já no Brasil, passa por Pelotas e chega a Porto Alegre em 1853. Estabelecido na capital gaúcha, abre junto com o pintor Bernardo Grasselli (s.d. - 1883), um estúdio artístico e fotográfico, no qual trabalha a produção de daguerreotipia, logo investindo em outras técnicas de reprodução de imagens a partir do negativo. No ano de 1854, termina a sociedade com Grasselli, e abre estúdio próprio, tornando-se o principal fotógrafo da capital gaúcha. .
Em 1865, durante a Guerra do Paraguai, registra a visita a Porto Alegre do imperador d. Pedro II e seus genros, além de fotografá-los em trajes típicos da região. Também fotografa soldados brasileiros e paraguaios envolvidos no conflito e recebe a condecoração de fotógrafo imperial.
A imagem captada por Terragno tem como objetivo divulgar o imperador como voluntário na Guerra, incentivando o patriotismo nos cidadãos brasileiros,  diferente da imagem 1 produzida por Otto Hees a imagem foi produzida em um estúdio fotográfico, onde a iluminação e ambiente são mais propícios a uma imagem mais próxima da perfeição do que num ambiente ao ar livre, tem um cenário simples, no fundo há a imagem de  uma bancada de madeira com detalhes talhados, com duas colunas romanas do lado direito da foto, uma cadeira em estilo tradicional com os também detalhes talhados ao lado da imagem do monarca, um tapete estendido ao chão, no qual Dom Pedro II está postado.
O imperador Dom Pedro II vestido com está um traje da campanha, um longo poncho quase na altura dos joelhos, com detalhes imperiais, uma bota com um cano longo e um chapéu típico gaúcho, mas o que mais chama a atenção na foto não são as vestimentas e sim próprio imperador, se compararmos com a imagem produzida por Otto Hees, em 1889. Na imagem 2 o imperador está com as barbas em sua tonalidade original, loiras, com vivacidade no olhar e uma compreensão física forte, passando a imagem de um soldado pronto para guerra, totalmente diferente da foto produzida apenas 24 anos depois por Otto Hees, onde o imperador está claramente debilitado não só fisicamente devido a diabetes, mas está cansado, com um olhar distante, diferente do olhar obstinado da foto 2. Chegamos à conclusão que Dom Pedro II teve um envelhecimento acelerado, comparando as 2 imagens vemos que a longa e desgastante duração da Guerra do Paraguai e o lento e vergonhoso processo de abolição não deixaram marcas profundas só na nação, mas também no velho imperador.           
 A princípio se esperava que a guerra não durasse muito tempo, mas as coisas não aconteceram assim, pois ela se estendeu por mais 5 anos com o ditador paraguaio conseguindo resistir. O Estado Imperial reorganizou o exército em padrões modernos, e a partir de 1866, com a entrada do General Caxias, instituiu o alistamento obrigatório, além de anexar cada vez mais a população negra na conformação da instituição, alforriando escravos para o front, consistindo num bom negócio para eles que ganhavam à liberdade e seus senhores, que eram indenizados por fornecer esse tipo de “voluntário”.
A resistência paraguaia caiu apenas em agosto de 1868 junto com a fortaleza de Humaiatá, nos meses seguintes as forças brasileiras acabaram com os paraguaios nas batalhas de Avaí, Itororó e Lomas Valentinas, tendo finalmente tomado a capital Assunção em janeiro de 1869. O ditador Lopes fugiu e se refugiou no interior do país, na ilusão que poderia reestruturar suas tropas. Nessa altura dos acontecimentos, com sua saúde abalada devido à idade, 65 anos, e não vendo sentido em prosseguir com uma guerra já ganha, unicamente pela vaidade de Pedro II, o Marquês de Caxias abandonou seu posto e voltou para o Rio de Janeiro. Coube ao imperador incluir à tarefa de caçar Lopes ao genro, quem auxiliaria o príncipe na cruzada de caçar Lopes era o general Osório, mesmo com a mandíbula esmagada na batalha de Avaí ele se uniu ao príncipe francês numa sólida amizade.
No dia 4 de março de 1870, um oficial subalterno comunica ao príncipe que Lopes e o filho adolescente foram mortos sob golpes de lança de um caporal do 19º de cavalaria chamado Chico Diabo, a notícia emocionou a todos: enfim a guerra terminou. As coisas mudaram nas forças armadas com o final da guerra, o exército que abrigava desajustados e foras da lei aumentou mais de 3 vezes seu efetivos, homens que encontraram na carreira militar a chance de ascender socialmente e a partir dali não perseguiriam mais escravos em respeito aos soldados negros que lutaram lado a lado no Paraguai, as ideias positivistas começavam a se difundir com muita força entre os oficiais, além disso, os oficiais do exército se sentiam desprestigiados pela monarquia, por seus cargos públicos serem baixos, em comparação a outros de então, esse seria um fator preponderante para a queda da Monarquia anos mais tarde.
A princesa Isabel com a chegada dos filhos passou a desempenhar cada vez mais o papel de dona de casa, cuidando da família, não militando ativamente em favor da abolição da escravatura, e só se inserindo em assuntos políticos quando assumia a regência devido às viagens do pai, nessa hora era auxiliada pelo marido que a aconselhava, e assim, começou a perder sua popularidade, devido a uma campanha maciça dos republicanos insurgentes contra a sua pessoa (não admitiam um estrangeiro opinando em assuntos sobre a soberania nacional), era acusado de agiotagem e chamado de "corticeiro", "intruso", "francês”, essas representações repetidas ganhavam caráter político, sendo o príncipe até impedido de andar ao lado da esposa nas câmaras.
Depois da Guerra do Paraguai os olhos se voltaram para a questão da abolição da escravatura, bandeira do movimento de oposição republicano, que ainda envergonhava o país perante as nações europeias. A abolição ocorreu de forma lenta nas próximas décadas, e provocou a ascensão e a queda de muitos gabinetes conservadores e liberais, em 1871 é promulgada a Lei Rio Branco, popularmente conhecida como Lei do Ventre Livre, a partir dali todos os filhos de escravas nasceriam livres, infelizmente, ainda com restrições em favor de seus proprietários. Em 1884, a escravidão é extinta nas províncias do Ceará e Amazonas e em 28 de setembro de 1885 é promulgada a lei Saraiva, libertando os escravos com mais de 60 anos, também com uma cláusula restritiva obrigando-os a mais 3 anos de trabalho. Também foi em 1884 que o Partido Liberal aderiu ao movimento abolicionista oficialmente, o Partido Conservador faria o mesmo somente em 1888.
Longe da Corte, em Petrópolis, a princesa enfim se engaja e começa a trabalhar na questão da abolição da escravatura; para auxiliá-la na causa chega o amigo abolicionista engenheiro André Rebouças, que se instala no Hotel Bragança e imediatamente começa a trabalhar na propaganda abolicionista, fazendo ao lado da princesa um desfile de carros alegóricos com flores divulgando e arrecadando dinheiro para alforrias. O gabinete do Presidente dos Ministros João Alfredo aprova a Lei Áurea, medida essa que não teve indenização aos proprietários dos escravos, e no dia 13 de maio de 1888, enfim o sonho foi concretizado, diante de uma multidão de mais de 10 mil pessoas, os príncipes chegam ovacionados, o povo numa explosão de alegria e delírio saudava a princesa Isabel quando a mesma recebeu a legação para a assinatura. A Lei Áurea de 1888 tardou demais, pois redimiu apenas 700 mil escravos de um total de 15 milhões de habitantes, não apagando a imagem escravocrata do Império do Brasil para a história, contrastando totalmente com a imagem que o imperador tanto idealizou, em vão, para a sua pátria.
O povo brasileiro explodiu em felicidade, as festas duraram o resto de 1888 e também o ano de 1889, no entanto, nem todos ficaram felizes com a nova lei, os fazendeiros cafeicultores do Vale do Paraíba inconformados com a abolição queriam ser indenizados, romperam com a família imperial, por mais que a mesma os premiasse com títulos de nobreza ou se justificasse alegando que a medida era inevitável. A monarquia também sem o apoio do exército e igreja agora se encontrava à deriva, rachada internamente e sozinha politicamente.
                         As posições estavam cada vez mais radicalizadas, da parte do exército vinham as manifestações de maior descontentamento, eram defensores republicanos do positivismo, com a pressão desse segmento, o movimento da República se alastrava nos bastidores. Um boato sobre a prisão de Marechal Deodoro da Fonseca se espalhou, gerando alvoroço entre os militares, o próprio Deodoro invadiu o gabinete e destituiu Ouro Preto do cargo. Dom Pedro II estava em Petrópolis e lá ficou esperando uma visita de Deodoro, visita essa que nunca ocorreu, pois ele não teve coragem de encarar o velho monarca, mandou oficiais subalternos apenas para comunicar o banimento da família imperial.
O “golpe militar” de 1889 em que foi implantada a República Federativa do Brasil não teve apoio popular, já que o Imperador vivia o auge de sua popularidade, a proclamação foi um golpe aplicado por uma minoria de fazendeiros escravocratas, aliada a militares positivistas, e a alguns poucos segmentos da Igreja. O Partido Republicano não tinha poder eleitoral, visto que em agosto de 1889, quando se deu a eleição para a câmara dos deputados, os republicanos receberam somente 12% dos votos, a força republicana era regional, tinha certa relevância apenas no Rio Grande do Sul e São Paulo. Entre os próprios republicanos também não havia consenso sobre o tipo de república que desejavam, se era a presidencialista ou parlamentarista, e como ela seria implantada num país que sempre teve o regime monárquico.
                      No decreto assinado pelo Marechal Deodoro da Fonseca em 15 de novembro de 1889 se dizia o seguinte: “Fica proclamada provisoriamente e decretada como forma de governo da Nação Brasileira – a República Federativa”.  Sendo assim, depois de horas de indefinição por parte dos militares conspiradores, a proclamação da República era provisória! Constava no artigo 7º da proclamação que se aguardaria “o pronunciamento definitivo da Nação, livremente expressado pelo sufrágio popular” – tendo em vista um plebiscito que confirmaria a República ou a traria de volta a Monarquia ao país. O plebiscito ocorreu 104 anos mais tarde, a monarquia obteve 6.843.196 votos, apenas 13,4% do eleitorado de então.

Considerações finais
                     
                      Atualmente, a base nacional comum curricular não aprofunda os temas da História do Brasil nesse período do segundo reinado. Algumas vezes, só são permeados alguns temas como a escravidão e a abolição da escravatura, mas não se ensinam alguns importantes aspectos como o dos personagens citados no texto. Seria interessante não só para a formação dos discentes que eles tenham uma visão mais ampla de nossa história, de como era a sociedade daquela época, de como pensavam os homens daquele tempo, de apontar quais interesses dominavam. Portanto, que a nossa história seja restabelecida com todas as contradições que a mesma carrega, que possamos lidar com elas com maturidade, e que não aceitemos mais que ela seja desprezada por interesses ideológicos ou mesmo partidários.


Referências Bibliográficas:


OTTO Hees. In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileira. São Paulo:ItaúCultural,2019. Disponível em: <http://enciclopedia.itaucultural.org.br/pessoa21645/otto-hees>. Acesso em: 19 de Abr. 2018.
PRIORE, Mary del. O Príncipe Maldito: traição e loucura na família imperial. Rio de Janeiro: Objetiva, 2007.
PRIORE, Mary del. O castelo de Papel: uma história de Isabel de Bragança, princesa imperial do Brasil, e Gastão de Orléans, conde d’Eu. Rio de Janeiro: Rocco,2013.
SCHWARCZ, Lilian Moritz. As Barbas do Imperador, D. Pedro II: Um Monarca nos Trópicos. São Paulo: Companhia das letras, 1998.














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