terça-feira, 13 de agosto de 2019

África

PARTE I

A PARTILHA DA ÁFRICA




O autor busca com sua obra explicar o fenômeno da partilha do continente africano, destacando elementos políticos e econômicos, para buscar entender as razões da partilha do território africano, assim como entender a impossibilidade africana de se opor aos europeus. Ele expõe atividades de caráter imperialista das potências europeias do século XIX e a ocupação concreta por força bélica ao encontrarem resistência africana, usurpando a soberania dos povos, teorias como a teoria econômica e teoria da dimensão africana são mostradas pelo autor para explicar a razão dessas ocupações, teorias essas a que essa mutação da história da África se originou.
Segundo o texto a teoria econômica é a que nos mostra que as potências europeias interessadas em obter lucros, para alimentar o sistema capitalista investem na política de expansão imperialista em escala mundial na intenção de conseguir mais territórios tornando visível a expansão colonialista.
Já as teorias psicológicas mostradas como o darwinismo social onde o forte domina o fraco na luta pela existência, o cristianismo evangélico onde a divisão da África tem origem na disposição missionária extensa e humanitária com a intenção de  regenerar os povos africanos e o ativismo social onde o autor cita que Joseph Schumpeter compreende “ser um desejo natural do homem dominar o próximo pelo prazer de domina – lo e que “o imperialismo seria um egoísmo nacional coletivo à disposição, sem objetivos que um Estado manifesta – se de expandir – se ilimitadamente pela força”. As teorias diplomáticas ofertam a explicação verdadeiramente política da divisão com o prestígio, o equilíbrio de forças e a estratégia global, e para finalizar a teoria da dimensão africana, sendo a que melhor explica o fenômeno, segundo o autor.
Uzoigwe apresenta 3 acontecimentos de grande importância para o início do processo. Primeiro, o interesse que o rei belga, Leopoldo, demostrava pelo território africano, depois as atividades portuguesas e finalizando o caráter expansionista da política francesa.
A conferência de Berlim, concretizada por Bismark, reuniu as potências europeias do século XIX mais os Estados Unidos, entre 1884 e 1885, e dividiu o território africano entre essas nações.  Na conferência não se discutiu a sério o tráfico de escravos, nem os ideais humanitários que supostamente os inspiravam, nela se adotaram resoluções vazias de sentido, com relação a atividade do tráfico escravo e bem  estar do povo africano.




O que de fato ocorreu foi a definição das esferas de influência, no documento assinado pelos participantes da conferência, toda a nação europeia que, daí em diante, tomasse posse de um território africano ou assumisse um protetorato, deveria informar aos membros signatários do ato, para que as pretensões fossem ratificadas, e da Hinterland, que era a extensão da usurpada soberania daquela zona costeira.
As potências de forma literal tomaram para si o direito de decidir a soberania dos povos africanos, de forma sem precedentes, nunca antes um grupo de nações de um continente proclamou, com tanta arrogância, o direito de negociar a divisão e ocupação de outro continente. 
As esferas de influência já existiam antes da conferência com a instalação de colônias, a exploração e criação de entrepostos comerciais, de estabelecimentos missionários, a ocupação de zonas estratégicas e tratados com dirigentes africanos.
Após a conferência os tratados foram institucionalizados para que as decisões da divisão fossem oficializadas entre afro – europeus e bilaterais (europeus) , nos afro – europeus houve os tratados políticos onde os dirigentes africanos eram coagidos a renunciar sua soberania em troca de proteção ou se comprometiam a não assinar nenhum tratado com outras nações europeias.
Os africanos celebravam tratados por várias razões, mas principalmente em nome de interesses de sua nação, em certos casos queriam estabelecer relações com os europeus na esperança de tirar vantagens políticas perante países vizinhos. Em certas ocasiões um Estado africano em uma posição de fraqueza assinava um tratado com uma potência europeia esperando assim poder libertar – se da vassalagem de outro Estado africano que lhe impunha soberania, o mesmo também podia desejar um tratado para que seus súditos mantenham a obediência. Há também a situação em que certos Estados africanos imaginavam que assinando um tratado com um país europeu, salvaguardariam sua independência ameaçada por outras nações europeias. Esses tratados foram decisivos na questão das partilhas.
Já os bilaterais definiram entre os europeus as áreas de influência, caso não houvesse contestação, a pretensão era convertida em direito de soberania. Uma zona de influência nascia de uma declaração unilateral, mas ela só se tornava realidade quando aceita ou não contestada por outras nações europeias. Uma zona de influência nas cia de uma declaração unilateral, mas ela só se tornava realidade uma vez aceita, ou ao menos não contestada por outras potências da Europa, problemas territoriais ou disputas de fronteiras eram resolvidos através de acordos entre as mesmas, os limites determinados, com o máximo de exatidão possível, por fronteira natural ou por latitudes e longitudes.
O tratado anglo - alemão de 29 de abril (e de 7 de maio) de 1885 definiu as zonas de intervenção inglesas e alemãs em determinadas regiões da África, foi possivelmente a primeira aplicação da teoria da esfera de influência nos tempos modernos, em decorrência de uma série de acordos e tratados, a partilha da África estava definida no final do século XIX No tratado de delimitação anglo - alemão de 1 de novembro de 1886, Zanzibar e a maior parte de suas dependências caíram sobre a esfera de influência britânica. Em contra partida se reconhecia à Alemanha influência política na África oriental, pondo fim ao monopólio inglês na região. Os acordos foram concluídos no tratado de Heligoland, em 1890, que ratifica a divisão da África oriental. O tratado anglo alemão (1893) e o anglo - italiano (1891) colocaram o alto Nilo na esfera de influência britânica, o tratado anglo - português (1886) reconhecia influência portuguesa em Angola e Moçambique. 
Alguns tratados eram juridicamente indefensáveis, moralmente condenáveis e alguns conseguidos de forma legal, por atos meramente políticos, defensáveis apenas no contexto do direito positivo europeu, no qual a força é a fonte de todo o seu direito. Essa força ditou o peso nos tratados celebrados com dirigentes africanos, em muitos casos quando os africanos recusavam ratificar tais acordos, eles eram submetidos à pressões intoleráveis até que aceitassem, apesar disso, os soberanos africanos consideravam que esses tratados não os despojavam de sua soberania e viam neles, impostos ou não, acordos mútuos de cooperação.
A ideia de legitimar tratados bilaterais entre nações europeias delimitando fronteiras na África, longe dos africanos, eram admitidos à luz do direito positivo europeu apesar de os líderes europeus imaginarem que os tratados de esfera de influência entre nações europeias não podiam atingir os direitos dos soberanos das áreas afetadas. Como a noção de ocupação efetiva e a ideia que os africanos tinham sobre os tratados era contraditória, a situação se agravava, criando condições para uma invasão militar.
Os franceses foram os mais ativos na consecução da política e ocupação militar, avançando do alto para baixo tiveram sucessivas vitórias sobre vários impérios africanos. No final dos anos 1890, a França tinha conquistado todo Gabão, consolidando suas posições na África do norte, completando a conquista de Madagascar.

Colonização Francesa


A conquista britânica foi bem mais sangrenta pois encontrou uma resistência decidida e difícil de abater dos africanos. Usando como base as possessões litorâneas onde hoje estão localizadas a atual Gana e também a Nigéria, eles bloquearam a expansão francesa em direção ao alto Níger, e a partir de 1900 uma expedição partiu anexando diversos territórios de diferentes reinos. No ano de 1900, a dominação britânica no sul da Nigéria estava garantida, outras ocupações no interior oriental se concretizaram nas duas primeiras décadas do século XX. No norte da África, já com o Egito dominado, investiu na reconquista do Sudão em 1898, onde morreram mais de 20 mil sudaneses. Dominaram Zanzibar, Uganda, Quênia, todos de forma sangrenta. Na África central e austral, ocuparam a Mashonalândia com mais uma sangrenta repressão a revoltas africanas, em 1904, conquistaram a Zâmbia. A última batalha inglesa foi travada contra os boêres na África do Sul, curiosamente foi uma guerra de brancos contra brancos e durou de 1889 à 1902.


Império Britânico


Os alemães encontraram dificuldades em realizar uma ocupação concreta no sudoeste africano, como no Camarões e no Togo, aliaram – se à pequenos reinos para alcançar seu objetivo. Já na África oriental a conquista alemã foi a mais cruel e demorada das guerras de ocupação efetiva, se estendendo de 1888 a 1907.
A ocupação militar portuguesa começou em 1880 e só foi concretizada no decorrer do século seguinte, com muitas dificuldades eles conseguiram concretizar sua dominação em Angola, Guiné e Moçambique. O Congo, que também teve problemas com os portugueses, é ocupado militarmente pela esfera de influência belga, efetivada sobre o comando de Leopoldo III. 
A Itália foi a nação que encontrou mais dificuldades na ocupação efetiva, teve sucesso em 1883 com a Eritreia e costa oriental da Somália em 1886, foi somente através do tratado de Wuchale em 1889, que as fronteiras entre a Etiópia e Eritreia foram definidas. Os italianos foram derrotados na Etiópia mas ocuparam a Líbia em 1914.Marrocos conseguiu manter sua independência até 1912, quando a perdeu para a França e Espanha, com isso, em 1914, somente a Libéria e Etiópia eram independentes.
Os europeus conseguiram conquistar facilmente a África pois havia um desequilíbrio de forças a seu favor, em todos os âmbitos. Primeiramente, devido a atividades exploradoras e missionárias os europeus sabiam com detalhes vários aspectos do interior africano, enquanto os nativos não sabiam praticamente nada sobre os europeus. Em segundo lugar, devido a sua tecnologia e medicina, não temiam mais o território como antes. Em terceiro lugar, os recursos materiais e financeiros eram muito superiores aos dos povos africanos. Em quarto lugar, devido ao período posterior a guerra russo – turca de 1877 q 1878, a Europa se encontrava num período de paz e imobilização, diferente da África repleta de conflitos e rivalidades. Enquanto os europeus podiam se dedicar exclusivamente as atividades imperialistas ultramarinas, os africanos tinham suas forças paralisadas por diversas lutas. Os países africanos não tinham unidade e cooperação, alguns se aliavam aos europeus, somente para serem vencidos posteriormente. As lutas africanas contra europeus foram ações isoladas e descoordenadas, além das nações europeias terem superioridade logística e militar.
O novo mapa da África, depois de 3 décadas de fracionamento sistemático e de ocupação militar era completamente diferente do que era antes de 1879, onde as potencias europeias dividiram o continente em cerca de 40 unidades políticos, com cerca de 30% da extensão dessas fronteiras são formadas por linhas retas, cortando arbitrariamente às fronteiras étnicas e linguísticas.





PARTE II

PAN-AFRICANISMO UM IDEAL COERENTE

O artigo “Lentes de Resistência: olhares de intelectuais negros sobre iniciativas africanas nos séculos XIX e XX”, escrito pelas autoras Jacqueline dos Santos e Isadora Vivacqua, tenta mostrar um olhar mais minucioso longe de uma visão eurocêntrica, da relação dos povos africanos com os colonizadores europeus. No período abordado entre o século XIX e XX, as autoras abordam que não é somente o olhar de opressão do colonizador e a submissão do africano, que esta relação vai muito, além disso, elas tentam desconstruir esta versão da história simplista.
Quando os europeus pisaram em solo africano, a relação deles com os nativos eram puramente comerciais, sem nenhum tipo de processo de conflito. No momento que os brancos resolveram submeter os africanos aos seus domínios a relação entre eles começou a mudar conforme esta citação de Albert Adu Boahen historiador ganês, usado pelas autoras:

"Prestei atenção á vossa mensagem sem encontrar razão para vos obedecer. Preferiria morre. Se for amizade que você deseja, então eu estou pronto para ela, hoje e sempre, mas para ser súdito, isto eu não posso ser. Se for guerra você deseja, então eu estou pronto, mas nunca para ser seu súdito. Não caio a vossos pés, pois sois uma criatura de Deus como eu [..]. Sou sultão aqui na minha terra. Vós sois sultão lá na sua. No entanto, vede, não vos digo que me deveis obedecer, pois sei sois um homem livre. Quanto a mim, não irei á vossa presença, se sois bastante forte, vinde vós me procurar." (BOAHEN, 1987, P.56).

Com isto nasce às resistências, que são classificadas como: primárias e secundárias.
A resistência primária acontece no embate físico entre os colonizadores e os africanos, os nativos tentam resistir á este processo de submissão dos europeus.
A resistência secundária parte dos filhos da resistência primária, eles já estão sendo colonizados, se dando de diversas formas como formação de guerrilhas e rebeliões.
Há outras formas de resistência secundária abordada no texto como, por exemplo, a revolta dos mercenários africanos que se juntaram aos colonizadores e não tiveram o seu devido retorno em pagamentos, além dos nativos que estão contra estes mercenários justamente por eles se aliarem aos europeus.
Temos a resistência de acomodação que era assimilar alguns elementos da cultura europeia que ajudasse os africanos no seu dia a dia, como por exemplo, a medicina, sem deixar de manter de seguir os seus costumes. Com estas resistências enxergamos uma relação muito mais complexa, além da visão simplista eurocêntrica.
Após isto as autoras utilizam o intelectual M Bah Abogo, abordando a ideia do Pan-africanismo no século XX, que seria uma forma de resgatar elementos da cultura dos povos africanos que foram perdidas no processo de colonização, aliado a cultura que conseguiu ser preservada. (negritude).
Abogo desenvolve a ideia do “Pentágono das Negações”, que em suas palavras seria “ o não racismo , não ao escravismo, não marginalização social, não á marginalização religiosa e não á colonização”.  Com esta ideia ele descreve que muitos negros negam a sua história e sua existência se sentindo inferiores aos brancos dentro do processo de exploração.
O artigo começa a abordar outro autor negro Frantz Fanon, na construção da ideia do pan-africanismo de Abogo, mas realizando uma breve análise sobre o racismo, dando uma olhada em algumas obras de Fanon.
Analisando tais obras, começa a contar sobre a vida de Fanon, no qual ele nasceu na península de Martinica nas Antilhas de propriedade francesa, que á partir de sua experiência de vida em seu lugar de origem, ele começou a refletir as relações sociais e transcrevê-las em suas obras.

Frantz fanon


Ele começa falando que o povo de sua ilha assimila o idioma do colonizador de forma oficial, sendo ela a língua correta a ser falada, e o dialeto criolo que é de origem africana, acaba sendo marginalizada até mesmo entre os negros de sua terra, uma vez que é reforçada a ideia que para ser aceito em sociedade deve-se falar o francês do colonizador.
Cita que as mulheres de sua região querem ter relacionamentos sexuais como os brancos para conseguir o embranquecimento de pele, e uma ascensão social. Elas não conseguirão subir socialmente, sendo tratadas como mulher para ter relações extraconjugais por parte dos colonizadores, somente seus descendentes poderão ter uma oportunidade de ascensão, e inclusive á diferença de mulatas e negras no complexo de inferioridade. Tudo isto mostra os mecanismos de dominação do racismo contra o povo negro, e que o pan-africanismo é legitimo como forma de luta para vencer o racismo.
Continuando a ideia de Abogo há uma segunda etapa do pan-africanismo, que seria a unificação dos estados independentes do continente africano, porém isto não foi possível, as autoras argumentam:

"Parte disso pode ser explicado como uma “ herança” do período colonial, visto que as potências colonizadoras haviam criado fronteiras artificiais na divisão das regiões do território africano, desconsiderando os desejos da população local e as rivalidades existentes entre vários grupos que foram arbitrariamente aglutinados. Além disso, mesmo antes dos colonizadores adentrarem a África já havia inúmeras disputas naquele território que são explicadas por questões internas próprias do continente e que já mobilizavam confrontos entre os povos." (SANTOS, VIVACQUA, p.131-132).

O pan-africanismo é um ideal coerente por todo o processo histórico que o continente africano passou, porém por causa de contradições históricas em seu território durante o colonialismo aliados ao cenário geopolítico durante a guerra fria, esta ideia se torna inviável como podemos analisar no artigo “Estudos de África I” do autor Guido Soares em que ele mostra o processo de independência na metade do século XX, nos países africanos e o pós-independência aliado aos interesses de países em ascensão econômica da época, Estados Unidos, União Soviética e China.
Guido tenta em sua análise dividir em categorias os países africanos em relação aos seus colonizadores: a independência das antigas colônias britânicas, independência das antigas colônias francesas, independência do ex- Congo Belga e independência das antigas colônias portuguesas.
As ex-colônias britânicas tiveram o seu processo de independência em sua grande maioria de forma pacifica e institucional (com exceção de Zimbábue, devido a questões internas), conforme o autor cita Jean- Baptista Durossele, um historiador francês:

"Do estatuto de 'colônias da Coroa' administradas diretamente, passavam ao de colônias com um governo responsável, providas de um legislativo e capazes de gerir suas próprias finanças; depois se tornavam colônias com um 'self-government', ainda mais autônomas. “Assim, os britânicos procediam por etapas, ao utilizar ao máximo a negociação, sob o controle do ‘Colonial Office’ de Londres, e por intermédio de Comissões de Investigações da Coroa, encarregados de recolher os votos da população” (op. cit., p. 688, - grifos adicionados -).

As independências das antigas colônias francesas ocorreram de modo mais burocrático. Camarões e Togo ficaram sobre tutela da Organização das Nações Unidas (ONU), mas logo depois se tornaram independentes.
Em 1958 houve um plesbicito para a votação da Constituição da V Republique, os franceses e a maioria das ex-colônias votaram á favor, porém a Guiné votou contra com 95% dos votos liderados por Sekou Touré. Os demais países africanos ficariam sobre tutela dos franceses.
Logo depois Sekoi Touré foi recebido nos EUA como líder de Estado, isto provocou as ex-colônias francesas. Elas convocaram duas conferências em 1958 para negociar o desvinculamento dos demais países da V Republique.
O Ex- Congo Belga (Zaire) teve a sua independência influenciada pela Guerra Fria á partir da metade do século XX. Os belgas deixaram que fossem realizadas eleições gerais para o Congo eleger seus representantes, que foi realizada em 1960.
Posteriormente o Congo ficou dividido entre duas facções com influências de interesses econômicos dos EUA, URSS e China, pois o país africano era rico em minério, este impasse perdurou até 1964, quando o conflito foi resolvido.
A independência das antigas colônias portuguesas foi semelhante ao do Congo Belga, porém teve confrontos sangrentos com os portugueses, por exemplo, morreram 20.000 angolanos em 1961. Contudo se mantinha mais uma vez a exemplo do caso da colônia belga, a influência das superpotências EUA e URSS, apoiando diferentes lideres locais desses países africanos, em pró de sues interesses, ocasionando guerras civis dentro do processo de independência nas colônias portuguesas.

Independência Angolana


Após a independência, os países africanos não tinham condições técnicas e financeiras para se industrializarem, devido ao longo período predatório de suas antigas metrópoles. Continuaram a grande maioria destas nações dependentes de seus antigos algozes, por exemplo, a França e Inglaterra, que também precisavam de matéria prima para as suas economias, onde grupos de empresas destes países detinham o monopólio na produção em geral.
Com a Guerra Fria, os EUA, URSS e China entraram no continente africano aos poucos durante os anos 60 e 70, por questões ideológicas e econômicas, onde também se favoreceram da economia da África igualmente a França e Inglaterra que um dia estiveram no papel de metrópole.
Com estas nuances não se pode deixar de reconhecer o projeto inicial do pan-africanismo, que é continuar lutando com a negritude contra o racismo, que é um processo em constante movimento, continuando a resistência.

PARTE III

A BATALHA DE ARGEL E A INDEPENDÊNCIA DA ARGÉLIA




Nesta seção iremos abordar o processo de independência da Argélia por ser tratar de um emblemático episódio envolvendo a França em sua história política pós Segunda Guerra em que estava em jogo o prestígio geopolítico em um mundo bipolar que os franceses desejavam demonstrar sua força perante o bloco ocidental, ainda mais após a derrota na Batalha Dien Bien Phu que abriu uma ferida no orgulho francês; e por outro analisaremos o anseio dos argelinos em se livrar de um domínio que desde 1830 estrangulava a pobre nação a reduzindo como reles vassalos que deviam trabalhar e jurar lealdade ao esforço da ordem e progresso propagado pelos colonos e autoridades submissos a Paris.
A fonte que utilizaremos, ou seja, o objeto central de análise do processo de resistência e independência argelina, que durou oito anos iniciando em 1954 a luta pela libertação nacional até a consolidação como Nação perante a comunidade internacional em julho de 1962, será o filme “A Batalha de Argel”, de direção de Gillo Pontercorvo, baseado nos escritos do líder da Frente de Libertação Nacional (FLN), Saadi Yacef, na obra “Memórias da Batalha de Argel” que aborda esse processo de libertação enfatizando o período de insurgência e atos terroristas para no fim retratar as manifestações iniciadas em 1960, que dois anos depois emancipará a Argélia.
Valeremos de trabalhos de apoios que abordam a questão de lutas pela independência pelos argelinos como seus agentes e iremos relacionar essas informações com o filme e citaremos trecho da reportagem do periódico da “Folha de São Paulo” que no número 12.068 no dia 1 de julho de 1962 noticia a Argélia em clima de independência mesmo antes de sua oficialização por parte do governo francês e do resultado do referendo realizado no dia da reportagem, e a razão de utilizar esse veículo de grande imprensa se deve por ser um dos poucos disponibilizarem irrestritamente seu acervo digital.
A “INDEPENDÊNCIA” ARGELINA NOTICIADA PELO PERIÓDICO:
Hasteada em toda Argélia a bandeira verde-branca
ARGEL, 30 ([de junho] UPI-AFP) – A bandeira verde branca da revolução argelina foi hasteada hoje em todo o país, enquanto o território iniciava um fim de semana que quase com toda segurança será o último que passará como parte da França. A Argélia foi a jóia mais brilhante do império francês durante 132 anos.
[...] O pavilhão verde-branco foi hasteado e distribuído profusamente em todos os bairros muçulmanos do país todo. (FOLHA DE SÃO PAULO, 1962, Exterior, p.2). 

DA LUTA ATÉ A LIBERTAÇÃO NACIONAL

Esse clima pacífico na véspera pela tão sonhada nação livre teve seu caminho trilhado sob sangue e violência oito anos anteriores quando o filme aborda inicialmente (em 1957) a descoberta do esconderijo do principal membro (que restou em atividade) da (FLN), revelada por um prisioneiro sob tortura, onde se encontrava Ali la Pointe junto com seus companheiros, incluindo uma criança, em que exortados a se entregarem as forças do coronel Mathieu vem ocorrer um feedback retornando nos anos 50, precisamente em 1954, quando é preso por “corromper os cidadãos” em jogos de azar.
Na prisão é aliciado pela FLN a militar pela independência justa no ano em que ela convoca os argelinos a lutar pela libertação nacional sob os princípios islâmicos e de justiça social com liberdades para todos independentes de raça e religião.
Após sair da prisão passa a participar ativamente pela luta sendo dinamitado três anos depois no esconderijo onde foi encontrado.
As razões que levaram o estouro da “Revolução Argelina” que se inspirou na emancipação dos Vietnamitas em Dien Bien Phu têm origens na dominação colonial francesa que oprimiu o povo argelino que desde início da colonização houve uma política díspar que “com a chegada maciça de colonos as melhores terras foram confiscadas e distribuídas, na sua maior parte, para os colons [...]”, (Hernandez, 2005, p. 272), ou seja, imigrantes/colonos que a dominarem grandes quantidades de terras reduziu os antigos proprietários (nativos) em meeiros e assalariados no campo.
Essa dominação que impôs parâmetros ultrajantes aos argelinos que não se restringia nas áreas agrícolas se manifestando nas cidades em que:
A cidade do colonizado, [...] a médina (Cidade Árabe adjacente as edificações europeias), a reserva, é um lugar mal afamado, povoado de homens mal afamados. [...] A cidade do colonizado é uma cidade acocorada, uma cidade ajoelhada, uma cidade acuada. [...]. (FANON, 1968, p. 28). 
Torna-se notória na Casbah (cidadela) em Argel, futura capital do Estado independente argelino, na qual morros e vielas caracterizam casas no mesmo terreno, diferenciando das vias asfaltadas e planas dos bairros europeus.
A insurgência surge para devolver aos argelinos sua dignidade e romper com essa infâmia que durava mais de um século que os reduziam a meros equipamentos de obtenção de riqueza devidos sua localização estratégica no Mar Mediterrâneo e o seu elo aos países da África Meridional.
Porém a França mesmo no mundo em descolonização e de bipolarização entre os EUA e a URSS não deseja abrir a mão de sua principal colônia no Mediterrâneo e de demonstrar sua força diante deste mundo, afinal não era simplesmente quantidades a mais terras para ostentar perante aos seus pares do Bloco Capitalistas ou simplesmente impor uma retórica patriota, mas se tratar de riquezas essenciais ao jogo Geopolítico na qual:
A descoberta de petróleo e de gás natural no Saara, nos anos 1950, veio reforçar este mito da Argélia francesa. Pela primeira vez em sua história, a Franca dispunha, no seu próprio território, de considerável quantidade de petróleo. A ideia segundo a qual ela podia enfim praticar uma política petrolífera independente influenciou fortemente as suas decisões durante a guerra de independência da Argélia. (HRBEK, 2010, p.158) 

Com gestos irredutíveis de ambas as partes se inicia uma bárbara guerra que seria empregada instrumentos violentos de terror aplicados contra civis e métodos cruéis de contra insurgência por parte do exército francês, servindo de modelo para os regimes civil-militar na América Latina nos anos 60 até a década de 90.
Porém houve tentativas de negociações entre as organizações Nacionalistas União Democrática do Manifesto Argelino (UDMA) e Movimento pelo Triunfo das Liberdades Democráticas (MTLD) e o Governo Francês para conceder uma autonomia visando melhorar o quadro social desfavorável ao povo já que a destruição radical da ordem não o objetivo a ser alcançado, e sim as negociações visando autonomia administrativa. (FANON, 1968).
No entanto estes perdem seus prestígios e a FLN passa a ser vista pelo povo como a única representante de sua libertação do jugo colonial passando a seguir as orientações como a se mobilizarem para a Greve Geral, conforme retratado pelo filme, e os voluntários aos atos terroristas.
O filme por ser nossa fonte central de estudo, sem deixar de lado os demais materiais que auxiliaram na contextualização da questão argelina, representa a importância da luta popular pela independência com a visão mais imparcial possível do conflito sangrento retratando atos violentos em que os meios justificavam a finalidade de ambas as partes; no caso a FLN praticar atentados contra os colonos recrutando mulheres e crianças para tais práticas para obter a tão sonhada libertação nacional e os franceses responderem com medidas controversas violando os princípios básicos de direitos humanos visando garantir o domínio na Argélia.
Atitudes do Cel. Mathieu em utilizar a tortura como método de interrogatório e medidas repressivas para inibir a insurgência e as manifestações contra o status quo como o desmantelamento da Greve Geral em 1957 deixava claro que a metrópole parisiense não abdicaria de sua possessão, enquanto a FLN ao praticar tais atos deixava em alto tom que não abriria mão da luta contra o colonialismo custasse o que custasse.
Apesar do desmantelamento da FLN devido a prisão e morte de seus líderes, incluindo Ali la Pointe que fora dinamitado conforme foi falado do descobrimento de seu esconderijo, manifestações ressurgem nas ruas de Argel em 1960 com as bandeiras verde branco, citadas na reportagem acima, sendo que essa luta renovada será concretizada dois anos depois com a emancipação.
Sendo assim essas lutas engendradas pelos argelinos ao iniciarem a via violenta para depois com manifestações maciças de ruas são significativas por evidenciarem que os valores que guiaram os franceses desde 1789 não foram aplicados ao povo argelinos na qual “Liberdade, Igualdade e Fraternidade” ficaram restritos a uma minoria colonial gerando um imenso hiato socioeconômico insuportável aos colonizados, e tem um significado maior por ser uma derrota humilhante a uma nação que até então dividia com os britânicos as riquezas saqueadas dos povos africanos.
Esse processo nos mostra que temos muitos que espelhar nas lutas contra as tiranias coloniais que hoje mudou a nomenclatura, passando a ser os países dependentes de capitais e recursos estrangeiros a posição de submissão as potências detentora do monopólio da tecnologia e do sistema financeiro na relação díspar da Divisão Internacional do Trabalho (DIT), sendo que estas lutas pela libertação nos deixam um imenso aprendizado na utilização de meios para a emancipação Econômica e Geopolítica nos dias de hoje.

Batalha de Argel


BIBLIOGRAFIA:

A BATALHA DE ARGEL. Direção de Gillo Pontercorvo. Argélia e Itália. 1966. 1 DVD (84min.). 
FANON, Frantz. Da Violência. Os Condenados da Terra. Rio de Janeiro, 1968. p.23- 84.
HERNANDEZ, Leila Leite. A África na sala de aula: Visita á História Contemporânea.  São Paulo: Selo Negro, 2005.
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A EDUCAÇÃO, A CIÊNCIA E A CULTURA (UNESCO) História geral da África, VIII: África desde 1935 editado por Ali A. Mazrui e Christophe Wondji. Brasília: UNESCO, 2010. 1244 p. 
SANTOS, Jacqueline; VIVACQUA, Isadora. Lentes de resistência: olhares de intelectuais negros sobre iniciativas africanas nos séculos XIX e XX. Graduandas em História pela Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal de Minas Gerais (Fafich/ UFMG), Epígrafe, São Paulo, v. 3, n. 3, pp. 115-136, 2016.
SOARES, Guido. Estudos de África I: a emergência dos novos estados africanos ao sul do Sahara, suas relações com as antigas metrópoles e as demais nações desenvolvidas. Revista da Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo, São Paulo, n.81, pp. 60-97, 1986.
UPI-AFP. Hasteada em toda Argélia a bandeira verde-branca. Folha de São Paulo, 1 de Julho. 1962. Disponível em: https://acervo.folha.com.br/leitor.do?numero=801&anchor=4485864&origem=busca&pd=8f0ed18d29f7927418563209ec0f4373>. Acesso em: 1 Jun. 2019.
UZOIGWE, Godfrey. Partilha europeia e conquista da África: apanhado geral. História geral da África, VII: África sob dominação colonial, 1880-1935. Brasília, 2010, p. 21-50.



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