quarta-feira, 31 de julho de 2019

O Mecenas das Artes

Dom Pedro II em 1889

Introdução

Depois do conturbado período das regências onde predominavam as revoltas por todo o território do império, com o golpe da maioridade onde o jovem D. Pedro II tomou posse, aos poucos o país foi entrando nos eixos e sendo pacificado pela administração do jovem monarca.
Com essa estabilidade Pedro II começou a se preocupar em criar uma identidade ao país, identidade essa galgada na cultura, progressos na área científica e a imagem do indígena como símbolo nacional- símbolo este que seria substituído pela imagem feminina da República logo após o golpe de 1889.
Entre erros e acertos o país se desenvolveu e assim como seu monarca obteve destaque na cena do século XIX. O Brasil dependia da economia agrária e o imperador sempre teve uma relação tensa (“de amor e ódio”) com os grandes latifundiários cafeicultores escravistas, já que o mesmo - assim como seu pai D. Pedro I - sempre se declarou abolicionista.
Com a ascensão do exército na Guerra do Paraguai e as novas ideias positivistas de então, se difundiram ideais republicanos entre os mesmos, essas duas forças aliadas serão o alicerce da oposição ao regime monárquico.O trono brasileiro, ou melhor, o poder no Brasil era tão desejado por que no século XIX, diferente dos dias atuais onde somo situados ainda como um país de terceiro mundo, nosso país era considerado um país vanguardista. O Brasil foi o 2º país do mundo a adotar o selo postal; o 2º país do mundo a instalar linhas telefônicas, o Rio de Janeiro foi a terceira cidade do mundo a ser dotada de redes de esgoto, construiu o primeiro cabo submarino ligando a América latina à Europa, tinha umas das maiores malhas ferroviárias do planeta. Na parte bélica, a marinha brasileira era umas das 4 melhores do planeta, além da estabilidade financeira e pacificação obtida em todo território depois do conturbado período regencial.
Essas e muitas outras conquistas só foram possíveis e concretizadas devido ao reinado de Dom Pedro II, um  grande intelectual de seu tempo, um poliglota que falava 17 idiomas, admirado por notáveis como Victor Hugo, Nietzsche, Richard Wagner e Charles Darwin.




O Mecenas da Artes

Dom Pedro II em 1826

Pedro desde pequeno já tinha seu destino traçado e foi moldado para a função que exerceu na vida adulta, sendo uma criança em um mundo de adultos, sem amigos da sua idade e com uma severa rotina de estudos dos mais diversos temas. Como perdeu a mãe ainda bebê e o pai retornou ao país de origem quando tinha 5 anos para reclamar o trono de Portugal para sua irmã mais velha, Maria, o jovem imperador teve como tutor ninguém menos que José Bonifácio, conhecido como " Arquiteto da Independência ", Bonifácio solidificou ainda mais a formação do monarca. Subiu ao trono aos 14 anos de idade num momento de revoltas, e com uma sabedoria e serenidade incomum a um garoto dessa idade, pacificou e assegurou a unidade territorial nacional enquanto a América Espanhola fragmentava-se, reprimiu as revoltas nas províncias, sendo a farroupilha a última a ser reprimida na província do Rio Grande do sul.


O império do Brasil passou a ser reconhecido como um exemplo de civilidade, em meio a toda confusão na América - latina, assolada em guerras por independência e caudilhismo, Lilian Moritz Schwarcz afirma:
 "Em “solo virgem [...] a transplantada árvore dos Bragança florescia e fazia civilização”. Passadas as revoltas das Regências o país era entendido como um oásis em meio à confusa situação latino-americana, e um monarca de linhagem e estilo europeus parecia garantir a paz e, por extensão, a civilização."
No âmbito familiar sua família também floresceu. Em 1943, o monarca casou - se com a princesa das Duas Sicílias, Teresa Cristina Maria, a cerimônia de casamento foi realizada por procuração, na cidade de Nápoles. O primeiro filho, Dom Afonso, nasceu em 1845, mas faleceu no ano seguinte em consequência de febre amarela. Em 1846 nasce a princesa Isabel e em 1847 nasce a princesa Leopoldina. O segundo filho varão, Pedro Afonso morreu em 1850, também com 1 ano de idade, na fazenda Santa Cruz de propriedade da família imperial. Sendo assim, a herdeira legítima do trono se tornou sua filha mais velha, a princesa Dona Isabel.

Família Imperial em 1857

A partir de então, Pedro começa a se preocupar em realizar um projeto que destaque uma memória e reconheça uma cultura no país, era preciso criar uma identidade à nova nação florescendo nos trópicos. Lembremos que foi no século XIX que houve a consolidação dos países de capitalismo tardio, como a Itália e Alemanha, países que se consolidaram em virtude de um passado comum, vindo a gerar o nacionalismo. Sendo assim, é criado o Instituto Histórico Geográfico Brasileiro (IHGB), inspirado no Institut Histórique fundado em Paris anos antes. O imperador será o maior frequentador e incentivador da instituição, que a partir da década de 1840 abrigará os românticos brasileiros. Lilian Scwarcz diz sobre a importância da instituição e sua relação com o jovem monarca: 
" A partir dos anos 50 o IHGB se afirmaria como um centro de estudos bastante ativo, favorecendo a pesquisa literária, estimulando a vida intelectual e funcionando como um elo entre esta e os meios oficiais. Assim, com seus vinte anos, a suposta marionete se revelaria, aos poucos, um estadista cada vez mais popular e sobretudo uma espécie de mecenas das artes, em virtude da ambição de dar autonomia cultural ao país." 
O soberano se interessava tanto pelo instituto que de dezembro de 1849 até 7 de novembro de 1889 ele presidiu nada menos que 506 sessões, frequentando mais o IHGB que a própria câmara. Havia à necessidade de se criar uma historiografia para nossa nova nação, e não deixar que nenhum estrangeiro especulador, não conhecedor das nossas crenças e costumes realizasse esta tarefa, a meta do instituto era estabelecer uma cronologia contínua e única, visando à fundação de nossa nacionalidade.

IHGB - Intituto Histórico Geográfico Brasileiro

Dom Pedro II financiou poetas, músicos, cientistas e pintores em prol de seu projeto estético, cultural e político que fortaleceria a monarquia e o Estado, consequentemente a unificação nacional. Esse projeto viria por meio do romantismo que passaria a falar das "originalidades locais", tendo o indígena como centro e símbolo nacional. Um dos maiores escritores do romantismo brasileiro foi Gonçalves Dias, trazendo o indianismo junto a sua poética, dedicada a formação do Brasil, desde o seu descobrimento. O ápice do romantismo brasileiro ocorreu curiosamente na Itália, em 1870, como escreveu a respeito Lilian Moritz Schwarcz: 
"Anos mais tarde, em 1870, estrearia, no Scala de Milão, a ópera composta por Antônio Carlos Gomes (1836-96) chamada O Guarani, cujo libreto foi inspirado no romance de mesmo nome de Alencar. Tendo seu trabalho financiado por D.Pedro II, 44 a obra de Carlos Gomes combinava as normas europeias com o desejo de exprimir os aspectos considerados mais originais em nossa cultura. Compunha-se música romântica, mas de base indígena, como a afirmar uma identidade ao mesmo tempo universal e particular." Com essa apresentação Carlos Gomes colocou romantismo brasileiro ao lado das outras tendências europeias de então.


Além do movimento romancista, Pedro II financiava do próprio bolso profissionais de várias áreas com vistas a formar uma nova geração de intelectuais, confirmando sua opinião que o progresso da nação viria através da cultura, dentre os beneficiados estavam arquitetos, advogados, farmacêuticos, médicos, professores, músicos, agrônomos, advogados entre outros. A frase favorita do jovem imperador era "eu sou a ciência", em referência a Luis XIV, para ele o progresso se vinculava à ciência e ao intelecto.
Com o passar dos anos o imperador começou a se tornar recluso, evitando festas oficiais e bailes da elite carioca, passou a mudar seu comportamento e vestimentas, inspirado no seu contraparente Luís Filipe I da França, ele agora encarnava o papel de um monarca cidadão. Pedro II, se irritava com a pompa dos grandes rituais quando visitava as províncias, aboliu o costume português do beija-mão e renunciou ao título de soberano, por que na sua opinião a soberania é do povo. Consta no livro, As barbas do imperador, um monarca nos trópicos a seguinte afirmação "o rei esquece o ritual majéstico e se apresenta como um cidadão do mundo, emancipado pela cultura".

Dom Pedro II em 1851

Dom Pedro II gozava de toda admiração de seu povo com a conquista da estabilidade política e financeira conseguida mediante a entrada do principal produto brasileiro, o café, no mercado internacional. As relações entre o regime monárquico e a agricultura de exportação eram muito próximas, pois a mesma gerava 70% da renda do país, mas nem sempre estas relações eram harmoniosas devido ao imperador ser declaradamente a favor da abolição da escravatura, uma calamidade para os fazendeiros cafeicultores escravocratas de então, fator que seria determinante anos mais tarde para queda da monarquia.
Schwarcz afirma" Nessa época também, o imperador se dedicaria de maneira mais evidente à maçonaria, atitude que descontentaria a Igreja e seria desaprovada, quando divulgada, por uma parcela significativa da população". Diferente da atualidade em que o Brasil é um Estado laico, a constituição de 1824 estabelecia o catolicismo como a religião oficial do império do Brasil, existindo assim uma relação formal entre a Coroa e a Igreja, os próprios sacerdotes recebiam tratamento semelhante aos funcionários públicos, recebendo salários da Coroa. Ao monarca era facultado o direito ao beneplácito que era a aprovação das ordens e bulas papais para que fossem cumpridas ou não, no território do império e o padroado que era a prerrogativa de preencher os cargos eclesiásticos mais importantes.
A bula papal "Syllabus" (1864) e o Concílio vaticano 1º (1869 - 1870) consagraram a doutrina do ultramontanismo, que postulava a infalibilidade do papa e combatia instituições que defendiam a secularização e o anticlericalismo. Em dezembro de 1872, o bispo de Olinda, Vital Maria, adepto do ultramontanismo passou a ameaçar de excomunhão os que tivessem ligações com a maçonaria. Os perseguidos recorreram ao governo provincial que encaminhou o recurso a Corte, que declarou Vital Maria era incompetente para punir a irmandade, papel que caberia somente ao imperador. No início de 1874, o bispo foi condenado a 4 anos de prisão, e a solução para o impasse só ocorreu em 1875, quando Pedro II e o Papa Pio IX chegaram a um consenso, com o monarca concedendo a anistia ao religioso. A imagem de Dom Pedro com setores da igreja católica ficou definitivamente abalada a partir de então.


O Partido Republicano não tinha poder eleitoral, visto que em agosto de 1889, quando se deu a eleição para a câmara dos deputados, os republicanos receberam somente 12% dos votos, a força republicana era regional, tinham certa relevância apenas no Rio Grande do Sul e São Paulo. 
A Monarquia sofreu o golpe quando atingia o pico da sua popularidade entre a camada mais pobre da população brasileira, principalmente os ex-escravos, eternamente gratos a sua redentora, a princesa Isabel. Para essa parcela que constituía a maioria absoluta da população, o golpe republicano foi uma grande traição ao imperador e até mesmo motivo de grande vergonha.
Como a Monarquia vivia o auge de sua popularidade quando se deu o golpe republicano, os militares se empenharam com afinco em destruir e desconstruir toda evolução conseguida pelas instituições monárquicas,
Lilian Schwarz afirma: “Ao mesmo tempo que o novo governo tomava as primeiras medidas, modificavam – se também rapidamente nomes e símbolos, na tentativa frustrada de concretizar a mudança de regime”. Houve um processo maciço por parte dos republicanos em apagar da memória nacional as grandes conquistas e personagens do império como o genial Machado de Assis, reconhecidamente o maior e mais respeitado escritor brasileiro em todos os tempos, autor de Memórias Póstumas de Brás Cubas, fundador da Academia Brasileira de Letras. Monarquista confesso, ele previu com exatidão o que estaria por vir assim que a República foi implantada na crônica “A opinião pública”, publicada em 5 de março de 1867 no jornal “Diário do Rio de Janeiro”, nela Machado dizia o seguinte:
“Quanto às minhas opiniões políticas, tenho duas, uma impossível é a República de Platão. A realizada é o sistema representativo (a Monarquia). É sobretudo como brasileiro que me agrada esta última opinião e eu peço aos deuses (também creio nos deuses) que afastem o Brasil do sistema republicano, por que esse dia seria o nascimento da mais insolente aristocracia que o sol jamais aluminou”.

Machado de Assis

E realmente como nosso célebre gênio literário previu em seu texto, as oligarquias se mantiveram no poder a partir de 1894 até 1930 com o golpe de Vargas. Se adicionarmos a esse período os anos em que o Brasil viveu sobre ditaduras (1889 – 1891), (1930 – 1945) e (1964 – 1985) veremos que dos 130 anos de regime republicano, tivemos 74 de ausência de democracia, em mais de 50% desse espaço de tempo o povo não teve voz.
Carlos Gomes, compositor de “ O Guarani”, até hoje a música brasileira de maior êxito no exterior também fez parte dessa desconstrução republicana devido a ter se negado a compor o hino republicano, em lealdade ao imperador que havia patrocinado seus estudos em Milão. Joaquim Nabuco? Foi outra vítima. Esses grandes heróis imperiais foram substituídos pela figura de um novo herói que já nos primeiros anos do novo regime ganharia iconografia política, estamos falando de Tiradentes que era pouquíssimo conhecido até então e a partir dali teria sua imagem associada a de Jesus Cristo, em decorrência do quadro de Pedro Américo que se converteu ao novo regime após a proclamação.

Falsa imagem de Tiradentes, autoria de Pedro Américo

Scwarcz enfatiza: “Outros símbolos nacionais, como a bandeira e o hino, seriam, como vimos, rapidamente modificados. O hino conservou a melodia imperial, a bandeira manteve as cores dos Bragança e Habsburgo, mudando – se, porém, a explicação das mesmas”.
Ao contrário do que aconteceu nas ditaduras do regime republicano, no segundo reinado havia total liberdade de imprensa, o próprio Dom Pedro segundo enfatizava; “Imprensa se combate com imprensa”, os jornalistas durante o segundo reinado podiam pregar seus ideais republicanos ou mesmo criticar o imperador, como era de praxe nas charges dos opositores do regime, a liberdade era tanta que chocava chefes de Estado e diplomatas europeus. O historiador Murilo de Carvalho em seu livro “Dom Pedro II, ser ou não ser” diz: “ Schereiner, ministro da Áustria afirmou que o imperador era atacado pessoalmente na imprensa de modo que causaria ao autor de tais artigos, em toda Europa, até mesmo na Inglaterra, onde se tolera uma dose bastante forte de liberdade, um processo de traição”.
D. Pedro II, decidiu fazer um longo passeio numa carruagem aberta quando estava em seu exílio na capital francesa, o imperador queria contemplar o Rio Sena num dia de muito frio e leve garoa e acabou pegando um resfriado que devido a sua frágil saúde evolui para um quadro de pneumonia. Infelizmente acabou falecendo no dia 5 de dezembro de 1891, ao lado da filha, genro e todos os netos, no hotel Bedford, onde residia. Em seu leito de morte Pedro disse quase sem forças: "Deus me conceda esses últimos desejos, paz e prosperidade para o Brasil ".

velório do imperador do Brasil na França

A morte de Dom Pedro II causou comoção a nível mundial, tamanha era a admiração por sua pessoa. O governo republicano francês do presidente Sardi Carnot prestou homenagens de Chefe de Estado, atitude que irritou profundamente o governo dos republicanos golpistas no Brasil, que tentaram impedir o funeral e os símbolos do Império do Brasil a todo custo. O imperador era muito querido na França devido a ter sido o primeiro Chefe de Estado a visitar o país oficialmente após a derrota para a Prússia em 1870.

Funeral de Dom Pedro II na França

A imprensa internacional noticiou a morte de Pedro com pesar, O jornal americano New York Times publicou; " O monarca mais ilustrado do século", "Tornou o Brasil tão livre quanto uma monarquia pode ser", por sua vez o periódico Herald estampou: " Numa outra era, e em circunstâncias mais felizes, ele seria idolatrado e honrado por seus súditos como "Dom Pedro, o Bom".

Funeral de Dom Pedro II na França

O governo republicano português concedeu ao Imperador Dom pedro II e a imperatriz Tereza Cristina uma exumação digna de chefe de Estado, e os restos mortais das majestades foram transportado de volta ao Brasil em janeiro de 1921, acompanhados pelo Conde d'Eu e de seu filho Pedro de Alcântara, o Príncipe do Grão - Pará, a Princesa Isabel, combalida e limitada fisicamente por sérios problemas de saúde não pode comparecer à cerimônia que também deu ao Imperador o status de chefe de Estado, a redentora morreria no ano seguinte, sem nunca ter realizado o desejo de voltar a sua amada pátria.

Conde d' Eu ovacionado, acompanhando o corpo do Imperador em 1921

O conselheiro Antônio da Silva Prado, último ministro imperial ainda vivo compareceu ao evento e testemunhou; "Os velhos choravam. Muitos ajoelhavam - se. Todos batiam palmas. Não se distinguiam mais republicanos e monárquicos. Eram todos brasileiros". 
Não demorou muito para que os próprios personagens que aplicaram o golpe na Monarquia percebessem o grande erro que haviam cometido, o país estava assolado por corrupção, escândalos e vaidades. Rui Barbosa, o maior crítico ao regime monárquico e fundador da república diante de tal situação afirmou em 1914: 
"No outro regime (a Monarquia), o homem que tinha uma certa nódoa em sua vida era um homem perdido para todo o sempre: as carreiras estavam fechadas. Havia um sentinela vigilante (o Imperador), de cuja severidade todos temiam e que, acesa do alto, guardava a redondeza, como um farol que não se apaga, em proveito da honra, da justiça e da moralidade".

O republicano Barbosa se arrependeu.

Em 1925, diante as festividades espontâneas geradas pelo natalício de Dom Pedro II e o descaso com o aniversário de 36 anos da proclamação da república, o presidente Bernardes afirmou: " A justiça que se lhe deve. Ele amou o Brasil e enquanto teve forças e energia procurou servi-lo rodeando - se dos melhores elementos de sua época".
Dom Pedro conseguiu em seus 49 anos à frente do império do Brasil avanços gigantescos nas áreas tecnológicas, culturais, sociais e econômicas, e, guardadas as devidas proporções, inigualáveis até a atualidade.
Enquanto no regime monárquico a construção da identidade nacional se deu através do romantismo, através da imagem do indígena como símbolo, privilegiando a literatura e formando uma nova geração de intelectuais com vistas à formação de um alicerce para essa jovem nação, na República do Brasil a identidade nacional está apoiada numa festa popular, o carnaval, e em um esporte, o futebol. O carnaval é reconhecidamente uma festa em que se praticam todos os excessos não feitos no restante do ano, não passando uma imagem positiva do país no exterior; onde a mulher brasileira é vista como prostituta e os homens como vadios. Já o futebol é motivo de orgulho nacional e principal produto de exportação de profissionais para o exterior, em contra - partida é associado a violência, dentro e fora dos estádios, com diversas mortes registradas. Nos dias atuais não é mais o mecenas das artes o rei, e sim, Pelé, sintetizando também a decadência do povo e da cultura brasileira.

Rei Pelé simboliza a decadência de um povo sem cultura.

Bibliografia:

BEZERRA, Juliana. Monarquia Constitucional. Disponível em: https://www.todamateria.com.br/monarquia-constitucional/. Acesso em: 16 nov. 2018.
CASTRO, Celso. Proclamação da República. Disponível em: https://cpdoc.fgv.br/sites/default/files/verbetes/primeira-republica/PROCLAMAÇÃO%20DA%REPÚBLICA.pdf Acesso em: 16 nov. 2018.
DOMINGUES, Joelza Ester. 16 fatos que marcaram a implantação da República no Brasil. Disponível em: https://ensinarhistoriajoelza.com.br/fatos-que-marcaram-republica-no-brasil/ Acesso em: 20 out. 2018.
FONSECA, Deodoro da. Decreto de 15 de novembro de 1889. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1851-1889/D0001.htm Acesso em: 15 nov. 2018.
MAUAD, Ana Maria; LOPES Marcos Felipe de Brum. Imagem, história e ciência. Disponível em: www.scielo.br/pdf/bgoeldi/v9n2/a02v9n2.pdf Acesso em: 16 nov.2018
MENDES, Vinicius. 15 de novembro, Proclamação da República, por que historiadores concordam que monarquia sofreu um ‘golpe’. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/brasil-41991813 Acesso em: 17 nov. 2018.
OTTO Hees. Enciclopédia Itaú de Arte e Cultura brasileiras. São Paulo: Itaú Cultural, 2018. Disponível em: http://enciclopedia.itaucultural.org.br/pessoa21645/otto-hees Acesso em: 17 nov. 2018.
PRIORE, Mary del. O castelo de Papel: uma história de Isabel de Bragança, princesa imperial do Brasil, e Gastão de Orléans, conde d’Eu. Rio de Janeiro: Rocco, 2013
SCHWARCZ, Liliam Moritz. As Barbas do Imperador, D. Pedro II Um Monarca nos Trópicos. São Paulo: Companhia das letras, 1998.
PRIORE, Mary del. O Príncipe Maldito: traição e loucura na família imperial. Rio de Janeiro: Objetiva, 2007. 
SILVA, Camila Freitas de. O 15 de novembro na imprensa carioca. Disponível em: https://seer.ufrgs.br/aedos/article/viewFile/16755/11937 Acesso em: 15 nov. 2018.










terça-feira, 30 de julho de 2019

“ Sobre a história da arte como objeto de uma cátedra acadêmica” de Jakob Burckhardt


O texto apresenta a ideia de como a arte assumiu diferentes papéis através dos tempos. O texto não se atém a tentar decifrar quais são as intenções de um artista ao fazer uma obra de arte, o texto afirma que deixa isso para a subjetividade do espectador, pois para cada pessoa uma obra terá um significado diferente. A arte não escapa da filosofia, pois esta está em todos os domínios.
O texto diz que em sua época(a obra data de 1874, conforme consta no título) é um momento de grande enriquecimento intelectual, aliás, o autor afirma que desde a antiguidade era possível lançar-se a aprender, mas somente em seu século seria capaz de uma assimilação intelectual diversificada, porque o homem experimenta de forma interior e exterior por tudo.Mas em decorrência de algumas circunstâncias, o interesse pelo passado se apagou:
Diante de uma religião nova e exclusiva;
Diante da chegada de uma nova barbárie, força natural que força a criação de uma cultura e uma arte durável com os restos das civilizações extintas;
Diante de uma atividade artística, poética etc, que tendo alcançado um grau superior de realização se mostra convencida de sua própria qualidade.
Os artistas e arquitetos do Barroco eram cegos  ao gótico e consideravam os mestres do Renascimento como secos”secchi” nas três artes maiores. Eles desfrutavam de seu próprio estilo, de espontaneidade e da perfeição que a arte de hoje não conhece. Os barrocos tinham convicção da excelência de sua arte.
A contemporaneidade é dotada dos mesmos dons, mas se prende aos estilos do passado  e a falta de um contexto decorativo faz com que se possa adquirir um conhecimento geral da arte, sob todas as formas e perspectivas.
A cultura alemã moderna, por exemplo, a partir do final do século XVII , num primeiro momento, apenas reconhecia o  domínio estético , por exemplo, a poesia grega, a romana  e grande parte da literatura clássica. Reconheciam o valor e a qualidade da arte antiga como obra prima, mas o barroco reinava como mestre em seu entendimento
Daí depois surgiu no povo alemão grande identificação nacional pela música, depois surgiu também , a partir da metade do século XVIII, interveio a influência determinante dos poetas alemães que usavam uma linguagem de nobreza e visões de sentimentos conhecidos. Depois demonstraram interesse sobre a vida popular, pois a viam como rica em significados, e também uniram isso à redescoberta da arte antiga iniciada por Winckelmann e começaram a fazer releituras de Homero e Shakespeare por Herder, ou seja, a interpretação e  releitura alemã de grandes obras. 
A arte desde a antiguidade age sobre nós como um assunto de reflexão e de comparação, era um agente de formação de primeira importância, enquanto atualmente (nos dias do escritor) a arte é usada como deleite, como contemplação geral, mas nos séculos passados não se tinha essa noção. O texto aponta que é necessária a aptidão visual para apreciar a arte, porque ela está além do concreto que se pode observar, é preciso ater-se um certo tempo para que certos detalhes não passem em branco.




A relação entre Maquiavel e a obra "O Senhor das Moscas".


“O ser humano é capaz de tudo pelo poder”.  Às vezes, essa máxima da qual tanto ouvimos no senso comum, passa desatenta de um olhar mais profundo até que iniciamos a leitura de um livro que trata essencialmente de poder, de sobrevivência e também traz questões intrínsecas da natureza humana. William Golding, em seu clássico “O Senhor das Moscas”, traz questões tão valiosas e tão profundas, que ao final da leitura da obra, provavelmente o leitor ficará por dias refletindo sobre a narrativa de garotos perdidos numa ilha.
A narrativa se inicia logo após um acidente que deixa como sobreviventes apenas crianças – meninos- e eles percebendo que estão sozinhos numa ilha deserta e sem companhia de adultos. O garoto conhecido como Porquinho – apelido esse que o deixava extremante irritado - conversando com outro garoto, Ralph, sobre a possibilidade de haver ali algum adulto que os pudesse conduzir de volta para casa. Eles permanecem alguns instantes ali brincando e conversando sobre suas vidas e percebemos que Porquinho, o garoto gordo, era de uma saúde frágil, mas bem maduro para sua idade. Ele conhecia a necessidade de haver algum líder para gerar segurança nos demais meninos sobreviventes da ilha para que pudesse existir alguma chance de sobrevivência naquele local desconhecido, selvagem, sem regras ou conforto. Ele era bem inseguro, mas logo percebeu a necessidade de ordem que havia para que as coisas funcionassem, então viu uma concha enorme na praia e pensou que seria plausível que quem tivesse em posse da concha poderia falar.
Após tocarem a concha foram aparecendo um a um e com o passar dos minutos, os sobreviventes iam se ajuntando. Porquinho lhes ia perguntando os nomes, um a um, e o narrador vai descrevendo as suas personalidades e começamos a perceber o que viria por aí. Eles chegam ao consenso de que precisavam de um chefe e logo Jack achou que quem deveria ser o líder era ele já que era o líder do coro, mas Roger achou que isso deveria ser votado e acabaram se decidindo por Ralph. A obra aponta que:
“Jack começou a protestar, mas o clamor foi mudando, e de pedido de uma eleição transformou-se na aclamação de Ralph. Nenhum dos garotos podia ter muitos motivos para isso; toda a inteligência quem tinha demonstrado era Porquinho, e o líder mais óbvio era Jack. Mas Ralph tinha uma tranquilidade, ali sentado, que chamava a atenção: também era alto, e de aparência atraente; e de alguma forma bastante obscura, mas muito poderosa, havia a concha. E o menino que tinha tocado a concha, que ficou sentado na plataforma à espera deles com aquela coisa delicada equilibrada nos joelhos, só podia se destacar.” (p.23).
Logo Ralph começou a organizar os meninos para que, cada um, de acordo com suas habilidades fosse designado para um tipo de atividade. Ralph era aquilo que conhecemos como líder natural, que detém calma, que inspira os demais por sua postura na tomada de decisões frente aos desafios.
Eles foram fazendo expedições até que foram conhecendo as características da ilha na qual estavam, desabitada e havia porcos para alimentarem os garotos até a possível chegada de uma equipe de resgate para buscar os meninos. Durante essa exploração, ficaram certos que havia um bicho que foi visto no escuro e que era muito assustador, depois disso começaram as discordâncias entre Jack e Ralph. Jack, de natureza mais violenta, denominou os meninos do coro como os caçadores e então logo começou a lidera-los e pediu para que ajuntassem lenha, ele era do tipo agressivo, que se impunha à força, enquanto Ralph, líder natural, era mais ponderado e achava que tudo era uma questão de tempo para que fossem encontrados, porém ele não era dotado da inteligência madura de Porquinho, então não tinha estratégias para que o resgate viesse logo.
Os garotos então se dão conta que serão responsáveis pelo seu próprio sustento e sobrevivência na ilha e a liderança pacífica de Ralph, mas sem estratégias contundentes, vai pouco a pouco perdendo o seu espaço, e os meninos antes perdidos e quietos dão lugar a uma crescente selvageria que vai encurralando Ralph e Porquinho de tal forma, que eles se veem isolados.
Aos poucos a disputa pelo poder entre Ralph e Jack fica tão acentuada que os meninos seguidores de Jack tornam-se insensíveis, brutos, selvagens e até com instinto assassino! Se analisarmos a situação a fundo, veremos de maneira sociológica, como se comporta a natureza humana diante da necessidade de nos mantermos vivos. A princípio somos ponderados, racionais e delegamos a um líder que se apresente como sendo nosso salvador, a responsabilidade que temos com nossa própria subsistência, no entanto, ao nos depararmos com as dificuldades e a necessidade de chamarmos para nós mesmos a responsabilidade pela nossa existência, a selvageria pode muitas vezes tomar conta de nossos atos, remontando- nos aos arquivos do nosso cérebro reptiliano, ou seja, o nosso cérebro primitivo do qual provêm os instintos de sobrevivência e reprodução, ou ainda poderíamos chama-lo de inconsciente que detém as experiências boas ou ruins que vez ou outra aparecem em nossas ações.
Os sobreviventes começam a apresentar características violentas e se insurgem contra o líder Ralph, destituindo- o paulatinamente do seu posto, e passam a agir descontrolados e sem rumo, chegam a cometer tantas atrocidades que nós como leitores ficamos, sem dúvidas, chocados.


A obra está cheia de alegorias interessantes, porque se trata de crianças e pré-adolescentes, cuja imagem no pensamento popular, geralmente remonta à inocência e incapacidade de maquinar o mal para o semelhante, talvez, seja esse um dos fatos que mais nos incomodam nessa leitura. Daí fica a questão também a ser ponderada: o meio influencia o ser humano, ou o ser humano influencia o meio? Pensamos que ambos de certa forma se influenciam, uma vez que circundados pela natureza selvagem, tornaram-se selvagens, mas também modificaram o meio; fizeram fogueiras, mataram porcos, agiram numa hierarquia que remonta aos tempos em que o homem andava em bandos e caçava. A disputa pela liderança chegou a causar tamanha transformação nas personagens da obra, que Jack, começa a achar que a saída para tudo seria a eliminação dos obstáculos, algo que, também faz alegoria com a teoria de um escritor, que sem maiores pretensões, deixou uma marca indelével na literatura e pensamento mundial: Nicolau Maquiavel.
Maquiavel, um famoso escritor florentino do Renascimento, ficou mais conhecido por sua obra “O Príncipe” que embasou muito do pensamento da Idade Moderna acerca da visão política que tinha do Estado e forma de governo, e ele toca muito no ponto de que descreve as coisas como são e não como deveriam ser. Ele escreve a obra dirigida a Lourenço de Médici, príncipe de Florença naqueles dias tão turbulentos na qual a Itália se encontrava. Havia vários principados, reinos, até República havia naquele momento. Existiam muitas famílias poderosas na Itália como, por exemplo, os próprios Médici, família extremamente rica e influente, incluindo o próprio Lourenço, como por exemplo, os Sforza, os Orsini, os Borgia, entre outras, esse clima de tensão que existia entre os ducados e as guerras e embates eram sempre constantes pela manutenção e conquista de territórios. Analisando essa situação, Maquiavel descreveu como um príncipe deveria agir para se manter no poder e para oferecer segurança a quem estivesse sob seus domínios, a ideia principal de seus escritos é a de que vale tudo para se manter no poder e aumentar os domínios. Ele descreve em “O Príncipe”:
“Digo, consequentemente, que estes Estados conquistados e anexados a um Estado antigo, ou são da mesma província e da mesma língua, ou não o são: quando o sejam, é sumamente fácil mantê-los sujeitos, máxime quando não estejam habituados a viver em liberdade, e para dominá-los seguramente será bastante ter – se extinguido a extirpe do príncipe que os governava, porque nas outras coisas, conservando – se suas velhas condições e não existindo alteração de costumes, os homens passam a viver tranquilamente, como se viu ter ocorrido com a Borgonha, a Bretanha, a Gasconha e a Normandia que por tanto tempo estiveram com a França, isto a despeito da relativa diversidade de línguas, mas graças à semelhança de costumes facilmente se acomodaram entre eles.” (O príncipe, p.15).
Maquiavélico é um termo que é utilizado para se referir aos ensinamentos de Maquiavel, mas acaba deturpando o verdadeiro teor de Maquiavel, porque na maioria dos casos em que é utilizado, tem cunho extremamente negativo, como se denotasse alguém extremamente sedento por poder e que não mede esforços até obter o objeto de seus anseios. De certa forma, todo líder precisa estar pronto a fazer alguns esforços para se manter no poder. Não entraremos aqui no quesito ético, mas funcional e pragmático da estrutura do poder absolutista. Naquele período de efervescência tanto cultural, ideológica, quanto de disputas por territórios, era natural que Maquiavel desse uma instrução a Lourenço de Médici que o ajudasse a se consolidar como príncipe dos seus domínios e o orienta como é visto na passagem acima, para ser respeitado e temido em novas conquistas territoriais. Assim conseguimos traçar um paralelo entre o pensamento maquiavélico de poder e o que ocorre na leitura de “O Senhor das Moscas” visto que, Ralph por mais que tivesse a princípio a simpatia dos demais garotos, não soube no decorrer do tempo se sustentar, porque vinha com uma promessa de resgate que parecia, com o passar dos dias, algo distante da realidade; enquanto Jack lhes oferecia uma situação de sobrevivência mais palpável: carne de porco para a alimentação do grupo, participações de rituais e danças frente a fogueira e por isso a sensação de pertencimento a um grupo, ou seja, oferecia possibilidades reais de uma sobrevivência possível, enquanto Ralph lhes oferecia uma probabilidade que talvez nunca pudesse ser concretizada, fato esse que foi fazendo com que ele ficasse dia após dia mais isolado e Jack mostrava aos “caçadores” como denominou seu grupo o quanto Ralph não poderia ser respeitado, o que nos mostra que o autor, com certeza, tinha conhecimento das ideias maquiavélicas da Idade Moderna. O livro diz:
“Jack se virou para os caçadores.
Ele não é caçador. Se dependesse dele, a gente nunca ia ter carne. Nunca foi monitor de turma, e a gente não sabe nada sobre ele. Só fica dando ordens, e a gente tem de obedecer a troco de nada. E toda essa conversa”(p.140).
Também podemos analisar a obra de Golding com o pensamento do filósofo Thomas Hobbes, que entendia que todo Estado precisa de uma liderança forte para subsistir, ele acreditava que em todo estado natural de existência, havia homens mais fortes e mais inteligentes uns que os outros, mas que existia a necessidade de os homens de determinada sociedade abrirem mão de um pouco de sua liberdade para que pudessem ser governados por um líder mais forte que os conduzisse por meio de sua inteligência e força para o bem comum, a esse conceito ele denominou “Contrato Social”; isto é, embora haja a competição natural de um homem para com o outro, no fundo, todos gostariam de viver num ambiente de paz, segurança, que lhes poderia ser assegurado por meio de seu líder, que seria uma autoridade inquestionável, que é o caso de Jack, os garotos sequer questionavam suas ordens, mas continuavam a segui-lo, visto que acreditavam estarem protegidos da fome e as demais intempéries da vida selvagem.
Podemos perceber também na leitura do texto, que não existe personagem feminino, além da porca, e ela é brutalmente assassinada pelos garotos que se autodenominavam “caçadores”, não percebendo eles que matando a mãe porca, em breve morreriam de fome, pois não haveria mais porcos para que se alimentassem.
Se olharmos a data de publicação do livro “O Senhor das Moscas” que é do ano de 1954, podemos perceber outro contexto histórico que intrinsecamente percebemos na narrativa: a Segunda Guerra Mundial que tinha recém findado, e também a Guerra Fria, que teve seu início após a Segunda Guerra, se analisarmos a questão das partes envolvidas na Guerra Fria, por exemplo, era um país que se intitulava democrático que eram os Estados Unidos da América, e do outro um bloco de países com uma forma de governo mais autoritária, ambos mediam forças para ter a hegemonia política, econômica e militar do mundo, ao nos voltarmos para as personagens, percebemos esse embate entre Ralph – que seria a democracia -  e Jack – a ditadura que se instala aos poucos- e podemos ver essa narrativa como a derrota da democracia, porque na narrativa, Ralph chega ao ponto de não poder nem ao menos dialogar com os outros garotos, de tão encurralado que ele fica pelo grupo dos caçadores. Simon, um dos garotos, pode ser visto como aquele que conversa e vê o sobrenatural, talvez trazendo em uma analogia para a vida real, pudesse significar a religião, da qual muitos seguem pelo medo do sobrenatural. O texto diz que o monstro era produto da imaginação assustada dos meninos, mas eles criam que era uma criatura que os assombrava e ficava se movendo na escuridão:
“E assim aquela figura, arrastando os pés, foi deslizando montanha acima. Metro a metro, sopro a sopro, o vento a arrastava entre as flores azuis, passando por cima das pedras soltas e das rochas avermelhadas, até deixa-la estendida em meio às pedras despedaçadas do topo da montanha. Ali o vento se mostrou mais caprichoso e permitiu que os cordões do paraquedas se emaranhassem, prendendo – se às pedras; e então a figura parou sentada, com a cabeça de capacete entre os joelhos, sustentada por complicadas amarras. Toda vez que o vento soprava, os cabos se esticavam e por algum acidente dessa tração erguiam a cabeça e o peito da figura, dando a impressão de que ela contemplava o panorama do alto da montanha.” (p.106)
Os garotos estavam tão aterrorizados que ofereceram a cabeça da porca como presente a esse “monstro” que achavam que ali vivia, na intenção de agradá-lo e aplacar sua ira, e Simon era quem fazia o contato com ele a quem denominaram “Senhor das Moscas”, e ele mesmo nesse diálogo com o sobrenatural começa a chegar à conclusão de que talvez esse monstro fossem eles mesmos:
“Você sabe não é? Que eu sou parte de vocês? Bem perto, bem perto, bem perto! Que é por minha causa que nada adianta? Que as coisas são do jeito que são?” (p.158)
A morte de Porquinho por uma pedra foi algo que definitivamente acabou com todo o apoio que Ralph tivera, então as coisas chegaram a um ponto insustentável de perseguição a Ralph até que finalmente a ajuda e o resgate chegaram.
Portanto, pode – se concluir essa análise entendendo que a obra “O Senhor das Moscas” sugere várias interpretações, das mais variadas possíveis, a princípio pode parecer apenas uma narrativa de sobrevivência, mas destrinchando, fazendo a leitura do momento em que foi escrito, e submetendo -  à intertextualização de vários conteúdos que tivemos durante esse semestre, por exemplo, com a filosofia maquiavélica ou a de Hobbes do estado natural ao contrato social, assim como alguns conhecimentos ideológicos, sociológicos que as personagens nos apresentam, percebendo a riqueza de reflexões que a obra que Golding nos oferece por meio de breve leitura e fácil assimilação.


Referências Bibliográficas:


GOLDING, Willian. O Senhor das Moscas. Editora: Globo Biblioteca Folha. 2003

MAQUIAVEL, Nicolau. O Príncipe. Editora: Pé da Letra. 2007

Uma Modesta Proposta


A Irlanda passava por um processo de miserabilidade pelo qual se amontoavam mendigos e pessoas muito pobres. Então, de forma irônica, Swift decide apresentar uma proposta na qual as crianças de um ano seriam levadas ao abate para servirem de alimento e reduzirem a fome do povo irlandês. Seriam esses bebês filhos de mendigos ou bastardos, filhos de mães miseráveis, e segundo o autor, seriam inúmeros os benefícios de tal prática para o país.
Segundo Locke, o homem nasce com natural direito à propriedade e direito à vida, no entanto, esse direito não seria absoluto, pois determinadas circunstâncias o fariam perder esses direitos. A princípio, o homem nasce livre e com natural direito à terra desde que fizesse bom uso dela e dela se utilizasse para sua subsistência, assim os homens teriam essa posse sobre a terra, mas seriam necessárias algumas regras de convívio entre os demais de uma sociedade, que se não fossem instituídas, os demais passariam a se digladiar a respeito de propriedade ou outras posses, atentando contra a vida uns aos outros, o que geraria um caos social. Para evitar tal situação, os homens instituem um contrato de convívio (contrato social), para que os homens que já são predadores naturais, não vivam em constante guerra, daí o contrato social institui um governo, que tem a finalidade de manter a ordem, mas que caso não atendesse o bem comum, poderia ser destituído porque o interesse não seria legítimo numa hipótese de destituição.
A crítica de Swift era baseada em como a Inglaterra protestante subjugava e levava à Irlanda católica a um estado de miséria que cada dia mais aumentava e trazia inúmeros malefícios ao povo. Através da ironia, ele chega a criticar o catolicismo da Irlanda, já que se sabe que o catolicismo proíbe abortos e encoraja as famílias a terem muitos filhos, fato que acabou por aumentar também a pobreza, mas a coroa inglesa impunha uma vida muito pobre aos irlandeses.  O texto nos afirma: “Primeiramente, como já observei, ela diminuiria bastante o número de papistas que anualmente nos invadem, já que eles são os principais reprodutores da nação,  assim como o de nossos inimigos mais perigosos, e permanecem no país com o propósito, com a intenção, de entregar o Reino ao Pretendente, esperando beneficiar-se da ausência de tantos bons protestantes que preferiram deixar seu país a ficar em casa e pegar, contra a sua consequência, o dízimo a um idólatra vigário episcopal.” (p. 30)
O conceito de propriedade expresso no texto de Swift é que havia arrendatários de terra, e no caso de venderem seus bebês de um ano para o abate, teriam eles algo para vender, ou seja, uma segurança financeira perante seu senhorio, portanto o conceito de estado de natureza e propriedade está de certa forma implícita, uma vez que o direito à vida era associado à finalidade para qual era proposta, não atingindo o objetivo, o homem tinha, por exemplo de se vender, nesse caso, o de vender os filhos  bebês.
O iluminismo defendia os direitos fundamentais à vida, liberdade, propriedade entre outros e defendiam a erradicação da autoridade religiosa na vida do homem, reforçando a racionalidade ao iluminar o pensamento dos homens. Se pensarmos que Swift usou de ironia com o catolicismo para ironizar, na realidade, o protestantismo inglês que subjugava a Irlanda católica, então temos sim traços do iluminismo, além de o autor trazer dados sobre a população irlandesa da época, fato que acaba por instruir o leitor. Mas faz uso desses conteúdos em sua obra usando como recurso a ironia, mostrando que para salvar uma nação da fome, era necessário o canibalismo por conta da maldade e ganância da coroa inglesa sobre os cidadãos irlandeses.
Na realidade, os filósofos tinham ideias que se contrapunham no sentido de que Locke acreditava que o sujeito quando nasce é como uma tábula rasa, ou seja, que vai adquirindo os conhecimentos que lhe são colocados conforme as experiências, de acordo com a corrente empírica. Já Kant acha que o sujeito é parte ativa na aquisição de conhecimento, mas conseguiu unir a corrente empírica -  da qual Locke fazia parte- e a racionalista, mas também apontava que a religião, a fé e a filosofia têm embasamento na moral e acaba por apontar que a teologia tem argumentos frágeis, pois a fé deve ser embasada na moral e na razão pura, que seriam os conceitos com os quais o homem já nasce possuidor. Podemos dizer, assim que Kant sintetizou as duas correntes de pensamento.
Assim como Thomas Hobbes, John Locke acreditava em um estado de natureza do homem, mas Locke acredita que o homem é anterior ao Estado e à sociedade, ou seja, para ele o estado de natureza pode ser provado por meio das tribos indígenas, por exemplo, que se organizam e sobrevivem antes mesmo da superveniência do Estado em sua comunidade e a propriedade era inerente ao ser humano. Já Hobbes diz que o estado de natureza é o estado que implica violência, insegurança de vida. E para que haja paz e segurança entre os homens se faz necessária à existência de um Estado que regulamente as relações de propriedade, já que para Hobbes a ideia de propriedade não existe sem o Estado. Para Locke, não havia outra finalidade para o Estado, além de este proteger o direito à propriedade. Então no que concerne aos direitos fundamentais, o direito à propriedade é o que regulamenta todos os demais para Locke. Já Hobbes diz do contrato social que a sociedade elege outro superior a ela, para garantir a ela os demais direitos fundamentais.
Para Swift , a comercialização da carne de bebês seria a solução para as mazelas nas quais a Irlanda estava inserida, ele aponta que seria uma solução econômica para as mães de bebês bastardos; ofereceria uma garantia de subsistência a essas mulheres, diminuiria o número de pessoas em estado de fome, solução econômica para a Irlanda, porque faria aumentaria a riqueza no Tesouro Nacional, bem como faria o comércio nas Tabernas aumentar, porque os cozinheiros preparariam ótimas iguarias, ele queria mostrar que todos seriam beneficiados pela solução que ele apresentara, por isso, a mentalidade burguesa está impressa do princípio ao fim dessa proposta.
Se pensarmos que a sociedade atual carece de investimentos em políticas públicas com o fim de diminuir desigualdades, aumentar as riquezas do Estado, erradicar a fome, então a ironia na proposta de Swift não é de todo descabida, uma vez que a sua intenção era mostrar o total despreparo do Estado para cuidar de sua sociedade, e de como, muitas vezes, ele poderia ser o próprio algoz do povo, para tanto ele se utilizou da figura de bebês, seres humanos totalmente indefesos e incapazes para apontar a solução para a fome que o Estado mesmo impôs aos seus. Naquele contexto, a Irlanda vivia sobre o domínio inglês, que a impôs uma situação de miséria e fome tais, que o autor, em tom de ironia, propôs o canibalismo com a carne de bebês como a solução mais barata e viável de erradicar os problemas do país. Já em nossa sociedade atual, ainda vemos o Estado falho em garantir e proteger os direitos fundamentais e sociais do povo. Não que  a solução atual seria o extermínio de bebês para solucionar todos os nossos problemas, mas que os cidadãos devem exigir políticas públicas do Estado que tem poder para tal, afinal, no conceito de Estado Democrático de direito, a sociedade elege representantes para fazer valer os seus interesses como meio de proteção de seus direitos fundamentais.

Referências Bibliográficas:

SWIFT, Jonathan. Uma Modesta Proposta. 1729.

O sentido do passado.


Para o ser humano, o passado sempre esteve presente mesmo antes de sua conscientização acerca dele, pela convivência de um indivíduo com pessoas mais velhas dentro de uma mesma comunidade. Para Eric Hobsbawn, o passado é de suma importância, pois representa todo o sistema de valores construído dentro de uma sociedade ainda que, de forma inconsciente.
Segundo ele, o passado, assim que um ser humano se torna integrante de uma sociedade, começa a localizar-se em relação a ele, ainda que para rejeitá-lo. Ele fixa os valores que serão estabelecidos, ou mesmo valores que serão contestados.
Existe a crença de que o presente deva reproduzir o passado, mas isso acarreta uma mudança lenta, ainda que positiva, dentro da História.  Já as mudanças demográficas e tecnológicas são graduais, sendo mais facilmente absorvidas, por acrescentar, de maneira tácita no passado social as mudanças no sistema de crenças e valores na história mitologizada, por distenderem aos poucos a estrutura normativa já existente.Se fosse de outra maneira, as sociedades de que temos conhecimento de maneira documentada, nunca teriam mudanças em seus sistemas normativos tradicionais. Mesmo assim, para Hobsbawn, a crença de que a “sociedade tradicional” nunca mude é um mito da ciência social comum. O que o autor acredita é que até que seja acrescido um ponto de mudança, ela permaneceria “tradicional”, pois o passado sempre modelaria o presente. Por conta disso, podemos entender porque alguns brinquedos do passado continuam no presente, como por exemplo o biloquê ou biboquê. Há registros desse brinquedo em pinturas europeias, assim como no Japão e América Latina.
De acordo com o autor, rejeitar o passado é um problema quando a mudança é considerada inevitável ou socialmente necessária ou desejável, porque daí representa o progresso. A inovação é algo geralmente aceito de maneira positiva pela sociedade desde que estejam familiarizadas por mudanças tecnológicas, mas algumas outras mudanças requerem uma legitimação: como é o caso quando o passado deixa de fornecer precedentes para elas.
Portanto, de maneira paradoxa, o passado ainda continua a ser fonte analítica para as constantes mudanças, e se transforma na descoberta da história como um processo de mudança de direção.

Referências bibliográficas:

HOBSBAWN, Eric. O Sentido do Passado. In: Sobre História. São Paulo. Companhia das Letras. 1998, p. 22 - 35.

Origem do pensamento grego.


Esta resenha   se propõe a analisar o texto “As origens do pensamento grego” de Jean Pierre Vernant e o documentário de Joseph Campbell intitulado “O poder do mito – parte 2 - A mensagem do mito”.
A primeira questão a analisar é que dentro do vídeo assistido há uma mensagem muito mais profundamente humana do que se pode pensar num primeiro momento no quesito mito. O ser humano, segundo Campbell tem a necessidade de ter contato com a espiritualidade de alguma maneira. Ele mostra que ler mitos de outra religião ajuda a entender a sua com mais clareza, não em termos de fatos, mas de mensagem. Ele também afirma que o mito ajuda a pessoa criar essa conexão com a experiência de estar vivo.
Os símbolos contidos no mito ajudam quem os analisa a fazer a interligação entre a simbologia e a mensagem do símbolo em si. Como exemplo, o casamento é uma díade que se reúne, porque duas pessoas se unem e se tornam uma só. No plano espiritual, isso se tornaria um reconhecimento de Deus encarnado, ou seja, a mitologia do matrimônio, que se reconhecer na pessoa certa e desposá-la e somente com ela viver.
Os mitos fornecem às pessoas modelos de moralidade a seguir, oferecem um modus vivendi porque eles servem de parâmetro para uma sociedade, por isso também, fornecem certas alegorias que nunca perdem sentido, se unirmos o mito e fizermos uma alusão a situações do presente. Por exemplo, homens armados de hoje podem ser remetidos ao mito da Dona Morte com sua foice. As religiões precisam se adaptar aos tempos cotidianos para não perderem seu valor diante da realidade de uma sociedade específica. Sim, as mitologias se formam e se desenvolvem dentro de uma determinada sociedade. Católicos e protestantes se afirmam cristãos, mas o mito, totalmente distinto dentro de suas teologias e dentro de cada uma dessas religiões, é que faz com que ambos vivam suas realidades à parte da existência um do outro, no caso da Irlanda, esse é inclusive um conflito sério que divide o país e cria intermináveis violências.
Quando analisamos o texto de Jean Pierre Vernant, percebemos que ele analisa os antigos gregos desde a formação de seu pensamento até mesmo para que nós também possamos entender melhor a formação de nossa própria e atual forma de pensar. Vernant analisa detalhadamente os pormenores da formação do grego antigo desde sua posição geográfica e seu relacionamento de certa forma abalado com o Oriente. Ele explica que com a leitura de Homero é possível identificar que surge uma nova sociedade, um novo mundo através da Ilíada, porque a partir dessa obra já se consegue visualizar o grego antigo tal como ele nos é conhecido.
Vernant afirma que com a queda do sistema micênico traz consequências para o campo da política e no âmbito social. O mundo espiritual grego acaba refletindo na sociedade: acontece o desaparecimento da figura do rei na Idade Média Grega, as decisões passam a ser tomadas em conjunto, começa a surgir a instituição de cidades e  acontece também o nascimento de um pensamento racional. 
O autor ainda fornece aspectos psicológicos de toda uma estrutura de pensamento do grego arcaico e do grego clássico. Esse desenvolvimento de demonstração de como pensava antes o grego e como passou a pensar, a mudança de sua estrutura de vida em sociedade, fornece dados riquíssimos para a historiografia, porque na vida do grego inserido na polis, por exemplo, o pensamento visa ao coletivo e a vida política, exigindo mais racionalidade para resolver as questões cívicas, daí as questões espirituais passam a ficar um pouco de lado porque a preocupação é a resolução de conflitos, conforme Vernant cita: 
“Todas as questões de interesse geral que o Soberano tinha por função regularizar e que definem o campo da arché são agora submetidas à arte oratória e deverão resolver-se na conclusão de um debate: é preciso, pois, que possam ser formuladas em discursos, amoldadas às demonstrações antitéticas e às argumentações opostas.” Pág. 54.
A vida pública e a palavra transformam o homem grego, que forma uma certa articulação entre o pensamento e a vida política. Nesse momento, a espiritualidade grega fica atrelada à sua vida pública e a dialética, por ter a necessidade de cuidar de sua vida pública e resolver os conflitos existentes na polis, passa a surgir o pensamento racional grego.
Portanto, o mundo grego passou por várias transformações de pensamento, vindo a culminar na racionalidade. É possível entender a intertextualidade do documentário com o  livro quando se analisa que o mito se refere a experiência de viver, e os gregos desde os textos homéricos vão passando por profundas transformações de experiência de vida, a ponto de culminar numa mudança drástica no agir e pensar do mundo grego, assim que ele constitui sua vida em sociedade e o mito se não acompanhar o pensamento da sua época, serve apenas como referência do pensamento passado de uma sociedade. Entendendo isso, podemos concluir que o pensamento grego que influencia a vida cívica de todos até hoje, passou por importantes transformações desde Homero quando vemos descrito o pensamento mítico grego até a sua vida na polis que mudou completamente a sua forma de vida para um agir racional que até hoje nos influencia como seres que vivem em conjunto.


Referências bibliográficas:


O poder do mito. Parte 2. A mensagem do mito. Disponível em: 
< https://www.youtube.com/watch?v=DnLDme-MkXU> . Acesso em 17 de outubro de 2016.

Vernant, Jean Pierre. As origens do pensamento grego.1.ed. Rio de Janeiro: Difel, 2002.

O tempo sagrado e os mitos


Esta resenha analisará alguns textos com o objetivo de entender o mito como um todo dentro de uma sociedade, e será baseada no texto de Mircea Eliade contido na obra “O sagrado e o profano” no capítulo 2 intitulado “O tempo sagrado e os mitos”; ainda estudando o mesmo autor, seguiremos por outra obra sua chamada “Mito e Realidade” e nos ateremos aos capítulos 1 “A estrutura dos mitos” e 2 “Prestígios mágicos das origens”.  Refletiremos ainda, na obra de Patrick Geary em “O mito das nações e a invenção do nacionalismo” no capítulo 2 “Povos imaginados na Antiguidade” e no texto de Carlo Ginzburg no capítulo 5: “Sinais, raízes de um paradigma indiciário” extraído do livro “Mitos, emblemas, sinais.
Iniciaremos pelas obras de Mircea Eliade, em sua obra “Mito e Realidade” por conter definições bem claras e precisas do que seria o mito. Com uma linguagem bem didática e acessível a qualquer pessoa, o historiador e mitólogo romeno conseguiu definir o mito como algo que se desenvolveu no meio dos povos como meio de criar significado para a própria existência. 
 Antes, há mais ou menos meio século, ele explica que os estudiosos tinham uma concepção de mito como algo fantasioso, no entanto, posteriormente, os eruditos preferiram concebê-lo como algo significativo e sagrado.  
Quando olhamos para os gregos, aos poucos eles foram tirando do mundo toda a conotação de religiosidade para algo que não pudesse de fato existir, como exemplo pode – se citar Xenófanes que, segundo Eliade, foi o primeiro a criticar as divindades mitológicas narradas por Homero e Hesíodo, ao passo que, a cultura judaico – cristã atribuiu ao termo mito tudo aquilo que não condizia com seu sistema de valores e verdades, ou seja, para eles era algo fantasioso, irreal.
O autor, aos poucos, passa por muitas culturas tribais africanas e australianas para demonstrar certa similaridade à estrutura dos mitos ocidentais judaico- cristãos. Ele explicita tribo a tribo quais seriam os mitos, quais eram os costumes, como exemplo cita os cargo cults da Oceania que também tinham seu conceito de era vindoura repleta de glórias e paz, mas iremos nos ater à estruturação mitológica para entender a principal ideia contida nesse capítulo.
O mito vai com o passar das eras, sendo modificado, recontado e até reinterpretado, mas o seu núcleo está lá, latente na cultura sacra de um povo ou uma sociedade que vai se desenvolvendo baseada nesses valores, e, aos poucos, torna - se patrimônio histórico de um povo, e acaba por definir sua carga cultural. Porque segundo afirma Mircea Eliade: 
“O mito é uma realidade cultural extremamente complexa, que pode ser abordada e interpretada através de perspectivas múltiplas e complementares” (ELIADE,2002, p.9) porque cada pessoa, de certa forma, acaba dando sua tonalidade ou sua perspectiva ao recontar ou interpreta-lo para outrem. Por isso que, de acordo com ele : 
“o mito conta uma história sagrada, ele relata um acontecimento ocorrido no tempo primordial, o tempo fabuloso do ‘princípio’. Em outros termos, o mito narra como, graças às façanhas dos Entes Sobrenaturais, uma realidade passou a existir (...)” (Eliade,2002, p.9).
Geralmente, reconta um tempo antigo onde as coisas são criadas por Entes Sobrenaturais, que seriam os responsáveis por cada ser tornar-se o que é, e a ter o destino que tem. Então, ele traz consigo a cosmogonia de cada sociedade, nas quais novamente os Entes, alheios à questão do tempo, são capazes de fazer surgir tudo o que existe e assim, o tempo que conhecemos passa a existir. Daí entendemos como o mito é carregado de sobrenatural. E isto passa a criar a sua tradição; por exemplo, se um costume foi instituído anteriormente, num tempo sagrado e sobrenatural, há que se continuar a fazê-lo, porque assim foi determinado num momento sacro e anterior.
Para aqueles que vivem sob a égide do mito, seja de qual origem for, ele fala de “realidades”, porque para aquele que crê há provas de que isso de fato tenha sido tal como ele o aprendeu, assim como no decorrer do texto nos é apresentado: a cosmogonia é verdadeira dado que o mundo existe, a morte existe visto que o homem é mortal, e assim, como todas as demais realidades explicadas através dele. Assim, o tempo sagrado dentro da estrutura mítica é aquele que apresenta a vivência do homem em contato com aquilo que é sobrenatural e para ele sagrado; conforme cita o texto:
“É por isso que se pode falar no "tempo forte" do mito: é o Tempo prodigioso, "sagrado", em que algo de novo, de forte e de significativo se manifestou plenamente. Reviver esse tempo, reintegrá-lo o mais frequentemente possível, assistir novamente ao espetáculo das obras divinas, reencontrar os Entes Sobrenaturais e reaprender sua lição criadora é o desejo que se pode ler como em filigrama em todas as reiterações rituais dos mitos. Em suma, os mitos revelam que o mundo, o homem e a vida têm uma origem e uma história sobrenaturais, e que essa história é significativa, preciosa e exemplar.” (ELIADE,2002, p. 18)
Ao analisarmos os conceitos do texto anterior apresentado, precisamos entendê-lo em conjunto com o capítulo “Prestígios Mágicos das origens” e em conjunto com sua outra obra “O sagrado e o Profano” no capítulo “ A estrutura dos mitos”,  para concluir que o mito, de forma geral, se afirma através do mito cosmogônico visto que, toda mitologia apresenta sua versão da criação do mundo, e por consequência do homem e dos demais seres que o habitam. Até mesmo para curar, muitas sociedades utilizam de seu mito cosmogônico como meio de evocar a cura, e por isso entendemos que de certa forma toda a estrutura mítica de um grupo é pertencente a ele e de alguma forma o mito cosmogônico participa de vários rituais. Como é afirmado pelo autor: 

“A recitação solene do mito cosmogônico serve, algumas vezes, para curar determinadas enfermidades ou imperfeições. Mas, como veremos nas páginas seguintes, essa aplicação do mito cosmogônico é apenas uma dentre outras. Sendo o modelo exemplar de toda "criação", o mito cosmogônico pode ajudar o doente a ‘recomeçar’ sua vida. O retorno à origem oferece a esperança de um renascimento". (ELIADE, 2002, p.26)
                             Então, se pode entender que, por mais mitos que um grupo social tenha, seus prodígios sempre partem da cosmogonia, porque ela é tudo o que existe, nada haveria, se não houvesse um princípio para tudo o que se conhece. 
A maneira pela qual o mito explica a origem do mundo é particular a cada sociedade, mas de algum modo, toda estruturação mítica parte da necessidade do homem para entender seu princípio e para explicar o seu fim.
Ainda com Mircea Eliade, estudaremos a obra “O Sagrado e o Profano” no capítulo “O tempo sagrado e os mitos” para nos debruçarmos mais profundamente sobre o que foi exposto até esse momento.
O tempo não é homogêneo, para o homem religioso existe o tempo sagrado, no qual o fiel participa das festas e rituais para levar o ser humano a uma lembrança de algo que foi feito no princípio de tudo que existe, enquanto que o tempo profano seria aquele tempo ordinário ou comum ao religioso por não estar em tempo de festas ou rituais. O tempo sagrado representa a memória de que durante aquele período, será realizada alguma atividade que relembrará os atos de alguma divindade impressos no passado. Para o homem religioso, o sagrado é um tempo essencialmente de memória do passado, por alguma ação divina ocorrida outrora. O homem religioso se distingue do não religioso, conforme o autor, porque enquanto o primeiro busca sempre viver o tempo sagrado, para o segundo todo tempo é para viver uma situação corriqueira como trabalhar, ter momentos de lazer, entre outras coisas, isto é, ele vive alheio a esses valores. 
Descreve da seguinte forma o autor acerca do tempo sagrado: 
“Ao criarem as diferentes realidades que constituem hoje o Mundo, os Deuses fundaram igualmente o Tempo sagrado, visto que o Tempo contemporâneo de uma criação era necessariamente santificado pela presença e atividades divinas.” (ELIADE, 1992, p. 38).
Assim como explica o tempo profano: “(...) por outro lado, há o Tempo profano, a duração temporal ordinária na qual se inscrevem os atos privados de significado religioso.” (ELIADE, 1992, p. 38).  
E continua: 
“Participar religiosamente de urna festa implica a saída da duração temporal “ordinária” e a reintegração no Tempo mítico reatualizado pela própria festa. Por consequência, o Tempo sagrado é indefinidamente recuperável, indefinidamente repetível.” (ELIADE, 1992, p. 38)
Seguindo o que nos mostra o Eliade, o tempo sagrado constitui também a estrutura mítica, tanto como o profano, ou ordinário, que serve para a preparação de outra consagração, para que novamente o sagrado aconteça. E salienta que o cristianismo, entendido como mito, possui uma peculiaridade dentre as demais crenças: a de pontuar historicamente a presença de Cristo dentro de um tempo e espaço localizados. 
Outra importante consideração que nos traz a obra, e interligada com a anteriormente estudada, o conceito de Cosmos, em muitos povos, é tido como “unidade viva que nasce, se desenvolve e se extingue no último dia do Ano, para renascer no dia do Ano Novo.” (ELIADE, 1992, p.40).  Percebe-se então, como o Ano Novo tem significado para a maioria dos mitos; ele representa o renascimento, a oportunidade de se ter um novo começo. 
Em nossa análise sobre o mito e suas estruturas, já foi contemplado o conceito de tempo, suas diferenças para cada ser humano, a estruturação mitológica, e como são evocadas as origens, ou a Cosmogonia, dentro da mitologia. A partir daí, temos base para nos aprofundarmos no texto chamado “Sinais, raízes de uma paradigma indiciário” de Carlo Ginzburg, extraído da obra “Povos imaginados na Antiguidade”, ele será de grande valia para a nossa compreensão mais abrangente do tema.
Ginzburg explica que por volta do século XIX, surgiu um paradigma no mundo das ciências, que nos ajuda muito a entender todo o ímpeto humano de chegar a conclusões.
Houve um historiador da Arte de nome Giovanni Morelli que era capaz de distinguir uma pintura copiada de uma original em vários museus, e fazia isso através da observação de detalhes, muitas vezes despercebidos por outros, como o formato das unhas dos originais e as orelhas; para ele esses pormenores o ajudavam sobremaneira na diferenciação. Muitos o consideravam pedante por supor que dessa forma o seu veredicto seria realmente real. O texto também cita que, Freud tinha o hábito de ler a obra de Morelli, e entendeu também que passou apreciar a arte mais por conta de Morelli e seu método, assim como achava que havia algo em comum entre ele e Sherlock Holmes, famoso personagem que investigava crimes e procurava indícios para descobrir os culpados, do autor Arthur Conan Doyle. Conforme descreve Ginzburg: “O conhecedor de arte é comparável ao detetive que descobre o autor do crime (do quadro) baseado em indícios imperceptíveis para a maioria”. (GINZBURG, 2002, p. 145)
O que se pode descobrir de comum entre as três pessoas citadas até aqui – Giovanni Morelli( seu verdadeiro nome era Ivan Lermolieff), Sigmund Freud e Arthur Conan Doyle (através de seu célebre personagem Sherlock Holmes) – é: os três eram médicos por formação,  e essa formação com inclinação para a descoberta de  sintomas de doenças era a responsável por suscitar em outras áreas do saber, essa necessidade de descobrir o verdadeiro autor. E não é por acaso que ela existe. De acordo com o autor: 
“Por milênios o homem foi caçador. Durante inúmeras perseguições, ele aprendeu a reconstruir as formas e movimentos das presas invisíveis pelas pegadas na lama, ramos quebrados, bolotas de esterco, tufos de pêlos, plumas emaranhadas, odores estagnados. Aprendeu a farejar, registrar, interpretar e classificar pistas infinitesimais como fios de barba.” (GINZBURG, 2002, p. 151).
E acrescenta: “O que caracteriza esse saber é a capacidade de, a partir de dados aparentemente negligenciáveis, remontar a uma realidade complexa não experimentável diretamente.” (GINZBURG, 2002, p.152).
Ou seja, Ginzburg descreve esse paradigma indiciário como uma necessidade humana desde seu passado caçador, ainda presente dentro de si, para descobrir realidades não vividas. Disso se trata o mito para o homem, de dar uma explicação para aquilo que ele precisa saber o porquê, mas não há evidências tão claras, ou até mesmo experimentadas, e por meio dele isso se torna possível. Assim, entendemos também, do que se trata a História, como ciência humana que é, como explica o autor: “Nesse sentido, o historiador é comparável ao médico, que utiliza os quadros nosográficos para analisar o mal específico para cada doente. E, como o médico, o conhecimento histórico é indireto, indiciário, conjetural” (GINZBURG, 2002, p. 157).
Outra questão nos é apresentada durante a leitura de Patrick J. Geary, por meio da obra “O mito das nações” especificamente no capítulo “ Povos imaginados na Antiguidade”, e ela seria a identidade mítica construída em torno das etnias e povos que hoje habitam a Europa. Atualmente, vivenciamos um momento de ressurgimento de várias vertentes “nacionalistas” no mundo. Vez ou outra essas ondas de ódio ao “estranho” ou etnicamente diferente causa transtornos, e na História sempre foram capazes de chegar a causar guerras, por isso, Patrick Geary estudou profundamente as raízes desses mitos que criaram na mentalidade dos povos que cada nação é diferente entre si e carrega uma carga étnica completamente distinta da outra. O autor se debruça sobre esse pensamento e busca na História indícios de que isso se deve ao desconhecimento real de suas origens, o que acaba criando no pensamento coletivo ideias errôneas sobre raças puras, entre outros mitos, que ficam por meio dessa obra, descontruídos.
Geary começa explicando que Heródoto, considerado o pai da História, contava as origens dos povos por meio de mitos, a alguns usava uma genealogia mítica para construir a ideia do porquê alguns grupos de pessoas estavam no lugar onde se encontravam, para outros ele apenas usava o mito nativo para explicar a respectiva origem, mas de nenhuma forma descreve as diferenças biológicas por conta de etnia,  ele chega a explicar algumas características dos povos, como por exemplo os povos nórdicos serem altos, mas faz essa classificação afirmando que esse atributo se deve ao fato de estarem geograficamente mais próximos ao Equador, no entanto, isso causou muita desconfiança por parte de outros etnógrafos posteriores, segundo o que explica o autor, até foi chamado de “Pai da Mentira” pela neutralidade descritiva:
“Os gregos do período helenístico e os romanos se incomodavam com sua abordagem neutra dos costumes e povos que observara.” (GEARY,2005, p.62).
Heródoto descrevia os costumes, características, entre outros atributos de vários grupos, mas ainda assim, não os definia como povos. Por conta disso, posterior a ele surgiram outros etnógrafos como Plínio, Solino e Mela, que apesar de criticarem sua objetividade, mudaram totalmente essa neutralidade. Tinham formas muito semelhantes às de Heródoto para descrever povos, no entanto, mudaram essa característica de não delimitar exatamente as diferenças entre um povo e outro para deixar mais claras as diferenças existentes. Esses estudiosos não aceitavam a ideia da etnogênese, ou seja da transformação étnica com as várias migrações que ocorriam de um território a outro, narradas por Heródoto. Essa resistência a outros povos também é característica do povo judeu, que por seus costumes e tradições se viam como povo de Deus e aqueles que não o eram, eram tidos como outros povos. Na Bíblia, nos livros de Gênesis e Êxodo isso fica bem claro, quando de sua estrutura é narrada tanto a formação do homem quanto a escravidão dos hebreus por meios dos egípcios e consequente libertação. Segundo as escrituras, foram libertos porque eram o povo escolhido de Deus. O povo judeu se tornou corpo constitucional porque foi escolhido através de uma Aliança ou Pacto com Deus no Monte Sinai. E de tal forma excludentes, nos livros de Esdras e Neemias, aqueles que se casaram com mulheres estrangeiras foram excluídos do grupo que saiu do cativeiro. Mas esse fator que excluía não era apenas biológico, tornava - se parte do povo de Deus aquele que aceitasse sua aliança, tal qual o populus romanus.
Daí os etnógrafos cristãos da Idade Antiga descreviam tanto a maneira da etnografia clássica como a forma da Bíblia. E ela, a partir de Cristo, já não é formada apenas por um povo biologicamente escolhido, mas por discípulos que já não importam de quais origens são. O texto ainda explica que os narradores romanos se descreviam cada vez mais como gens, com uma cultura e qualidades genéticas superiores aos outros povos, sobretudo em relação aos bárbaros, que como afirma Geary: 
“ (...) a velha ideia de que tais grupos sociais podiam de fato ser fundados e desse modo ficar de fora da ordem natural de nascimento e ancestralidade (como na noção mais orgânica de natio) estava enfraquecendo.” (GEARY, 2005, p. 80) e ainda: “ A condição de pertencer a um povo bárbaro dependia mais de uma disposição para se identificar com as tradições do povo em questão – (...) – e de sua competência para contribuir com essas tradições, especialmente por meio do serviço militar, do que ascendência biológica, da cultura, da língua ou da origem geográfica.” (GEARY, 2005, p.80). Ou seja, já que era fácil adentrar a um grupo bárbaro, as várias miscigenações ocorridas durante a formação do continente europeu organizado tal como está hoje, nos indica que não há de fato raças, ou genes puros,  derrubando  assim, toda uma ideia de “nacionalismo” que de vez em quando alguns grupos, devido à ignorância histórica, tentam disseminar.
Portanto, os textos aqui analisados nos servem de parâmetro para compreender a importância do mito e da estrutura mitológica através da História. Os textos selecionados ora eram mais didáticos, ora apresentavam linguagem mais técnica, porém compreensível, todos se interligaram por meio do mito, cada um deles trouxe informações que se complementaram para a construção de uma visão mais abrangente acerca dele. E por meio dele entendemos a construção da identidade de um povo, a formação de prodígios entre as crenças, passamos a compreender a diferença do homem religioso e o não religioso, a noção de tempo para cada um deles, os diferentes mitos espalhados pelo mundo e a sua estrutura. Entendemos também, como o mito criou pensamentos errôneos sobre etnias e raças e aprendemos que, entretanto, ele nos indica como levantar indícios, pistas do que aconteceu no passado. Concluímos que mito é muito mais que algo fantasioso ou ilusório de pessoas alucinadas, mas é verdade para aquele que nele crê, assim como para o historiador ele tem a função de se tornar fonte de algo a ser estudado, refletivo e questionado como fenômeno social para questões que a humanidade sempre quis as respostas, sabemos agora, que muitas delas são respondidas por meio dele.


Referências Bibliográficas:



MOMIGLIANO, Arnaldo. As Raízes Clássicas da Historiografia Moderna.
Bauru: EDUSC, 2004.

Cap. 2: “A tradição herodoteana e tucidideana”, p. 53 – 83.

Cap. 5: “Tácito e a tradição taciteana”, p. 157 – 185.

GEARY, Patrick. O Mito das Nações: a invenção do nacionalismo. São
Paulo: Conrad, 2005.

Cap. 2: “Povos imaginados na Antiguidade”, p. 57 – 80.

ELIADE, Mircea. O Sagrado e o Profano. São Paulo: Martins Fontes,
1992.

Cap. 2: “O Tempo Sagrado e os Mitos”, p. 64 – 98.

ELIADE, Mircea. Mito e Realidade. São Paulo: Perspectiva, 2002.

Cap. 2: “Prestígios mágicos das origens”, p. 25 – 39.



A Realeza centrada em Cristo

Após a queda de Roma surgiram os Novos Reinos Bárbaros ao longo da Europa que tentaram restaurar certas características romanas (títulos, estruturas burocráticas), porem foi no Reino Franco, por exemplo, que os reis e depois imperadores passariam a ter status sacro, já que seriam por meio deles que se manifestaria o poder de Deus, ou seja, uma personae mixtae (ser espiritual e secular). 
Portanto o Rei passaria a ter uma eminente importância já que ele tinha que fazer jus ao poder que lhe foi outorgado por Deus. Assim ele garantia coesão à cristandade ocidental e, a aristocracia e aos seus súditos em torno de sua figura sacra para a propagação da vontade de Cristo, ou seja, dos escritos de seus evangelhos. Sua autoridade real seria legitimada por meio da unção e da consagração a partir do momento de coroação onde haveria união entre o rei terrestre e o Rei Celestial em que o espirito de Deus incorpora no Rei sendo seu poder a partir daquele momento a manifestação da vontade divina.
Esses ritos de coroação remontavam o período bíblico quando os reis dos judeus eram ungidos pelos religiosos para que sua autoridade fosse legitimada por Deus, onde o poder real guiaria o povo escolhido para edificar um reino que realizasse a vontade divina. Também retorna ao período da Antiguidade Clássica em que os gregos e romanos consagravam as figuras eminentes de sua época. Essa divinização ocorria por meio de apoteose e consecratio romana.
Havia consonância nestes ritos em que eles assumiam uma deificação-que excedia os demais homens- sendo, portanto manifestação divina na terra.
As relações entre a realeza e a Igreja foram marcadas por períodos de oscilações em que certos momentos a autoridade real foi respeitada pelo clero consolidando uma harmonia entre os poderes seculares e espirituais, principalmente nas coroações e nas pinturas retratando a aliança divina entre o rei e o Deus ou Jesus Cristo.
Mas essas relações foram arranhadas em alguns períodos como na Questão de Investidura onde o rei tentou transgredir o poder clerical interferindo nos assuntos internos referentes à Igreja, provocando conflitos e pensamentos de aversão ao Papa, onde o clérigo Anônimo Normando afirma que o rei por ser uma personae mixtae tinha um poder superior na face da terra, maior do que o do próprio Papa.
Podemos concluir que a figura real e imperial do Ocidente Medieval teve uma grande importância já que se alcançou a estabilidade politica e social que garantiu o desenvolvimento da civilização da Europa Ocidental sob a moral prescrita pela Cristandade, onde o sacro e o secular legitimaram a realeza centrada em Cristo e a unidade do mundo cristão por séculos.

Referências Bibliográficas:


KANTOROWICZ, Ernest H. Os Dois Corpos do Rei: um estudo sobre teologia medieval. São Paulo. Cia. das letras: 1998. p. 48 - 91.

BLOCH, Marc. Os Reis Taumaturgos. São Paulo: Cia das letras, 1998, p. 68 - 87




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